Está parada, sentada na sala, no mesmo sofá onde se costuma sentar sempre. Por dentro sente que o mundo está prestes a desabar, vítima de um colapso pouco natural e não previsto por nenhum boletim de metereologia. Não houve avisos nem pré-avisos. Talvez tenham havido pistas - o cheiro no ar, o ladrar dos cães. Não lhes ligaste e agora o teu mundo simplesmente não gira como antes.
Mas em redor, tudo continua quieto e sossegado, os cinzeiros limpos, a sala arrumada, as almofadas no sítio certo, tu sentada no lugar de sempre a olhar para a televisão onde o apresentador tenta com previsíveis piadas mascarar os imprevisíveis de um diferido que devia ser directo.
Pensa que podia, num ímpeto de fúria, varrer com o braço tudo o que está em cima da mesa, estilhaçar em cacos cinzeiros e molduras, estilhaçar em cacos a queitude da normalidade que se transpira aqui. E sim, levantas-te, agarras no cinzeiro e zás! Parede com ele! Mil pedaços voam, mil pedaços aterram no chão recém-varrido.
Rídicula. Sentes-te rídicula. De pé, no meio da sala em ordem, um cinzeiro partido a um canto, uma pequenininha marca que há-de ficar na parede... e mais nada. Mais nada.
Ah, esses ímpetos holliwoodescos - se ao menos houvesse uma câmara de filmar, a imagem em slow motion como a viste na tua mente, acompanhada de uma música de catárse... mas não. Nada. Rídicula, sente-se rídicula.
Pior, lembras-te que alguém vai ter que apanhar o resto do cinzeiro, sabes que vais ter que ser tu. Cozinha, outro cinzeiro, acende-se um cigarro, senta-se no sofá. De volta à quietude, à arrumação tranquila - ao lado, uma nota desafinada mas que ninguém se apercebeu. Só isso.
As mãos tremem-te, fazem tremelicar o cigarro que seguras, as lágrimas presas, as vozes lá fora, os carros que passam mais ou menos tranquilos, a tua respiração ofegante. Tu procuras uma catárse que simplesmente não se encaixa na tua vida. Quando te perguntarem pelo cineziro responderás que se partiu, que estavas a arrumar a sala e que se partiu. E é tudo.
Mais nada - é tudo.
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