by tap.
Transformava a chuva em estórias que lhe nasciam das poças acumuladas na terra e entravam pelas frinchas da janela, acompanhadas pelo cheiro de raizes agradecidas. Era quase um passatempo silencioso, os enredos cresciam-lhe viçosos na cabeça, adornados por pétalas de várias cores e tamanhos. Depois, exorcizava-as a custo do corpo, para que se plantassem numa folha de papel. O processo estava pois condenado à partida, como pode o espírito de uma matéria querer prender-se ao cadáver de si mesmo?
Pelo meio restava-lhe misturar a água do mar com pedaços da sua alma, cheia de tatuagens, e deixar o preparado escorrer-lhe pelas bochechas. Dizia que havia de dar sentido à existência dos lenços brancos, já que não entendia as razões de criação das peúgas da mesma cor.
Era isso que fazia com frequência e desesperava as pessoas - juntava tudo na mesma panela, misturava, remisturava, adicionava mais e mexia. E diziam-lhe que não, que cebolas e limão não se regam com chocolate, que o alho não serve para temperar fritos de peixe com maracujá e canela, que a melancia não combina com carne de porco e mel. E quando parava para olhar o quem lhe dizia estas coisas, só via bocas a abrirem e a fecharem, produtoras de sons que criavam imagens esfumadas à frente dos seus olhos mas das quais não conseguia retirar sentidos.
Ás vezes enchiam-lhe o espírito urgências e ansiedades descontroladas, pressas imediatas presas no corpo, a rebentar com o corpo. Nessas vezes não sabia que fazer consigo, segurava-se simplesmente atrás de uma janela, a tentar respirar, palmas das mãos abertas de encontro ao vidro, a tentar respirar. A tentar lembrar-se de como se respirava.
Se calhar as outras bocas a mexerem tinham razão e há coisas que não servem para serem misturadas, para se juntarem, para se contaminarem mutuamente acrescentando-se novos cheiros e cores. Se calhar todas as coisas tem pelo menos um limite, inultrapassável, uma barreira que separa o que pode ser contagiado daquilo que haverá sempre de permanecer intocado. Mas se sim, então para que há ideias como a da inter-subjectividade? Ou para que há a primavera e o outono, estações de transição?
E depois, invariavelmente, mais tarde ou mais cedo, começava a chover e a chuva podia ser transformada novamente em estórias, enquanto a noite de fazer arder a neve não chegasse.
3 comentários:
Sofia, agora estou cheia de vontade de saber o desfecho dos sousas e do simão e da teresa.
beijinhos da prima joana (grande)
prima, essa reclamação deve ser feita num dos textos escritos a azul, ou no facebook da nossa prima rosa, q esses textos são todos dela!!
a sério? da rosa? mas que bem! beijinhos para ti
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