Shhh, deixa-te estar sossegado mais um bocado,
deixa-te ficar nestas quatro paredes onde aprendeste a distinguir cada nova mancha,
onde aprendeste a ler as horas do dia nas danças dos raios e sombras na madeira do chão,
na tinta da parede,
sobre os móveis e plantas sobreviventes.
Deixa-te ficar sossegado mais um bocado,
deixa-te ficar nestas quatro paredes enquanto te comes um mundo virtual, apimentado por uma nova qualquer experiência culinária, a tentar que os dias saibam diferentes, a saber que os dias te sabem diferente.
O mundo, lá fora, parou. Parou por um momento só,
depois continuou vibrante mas sem ti. Não lhes fazemos falta nas manifestações,
nas tentativas de revoluções,
nas vozes irritadas contra os invisíveis,
nos disparos sobre Moçambique,
nos empurrões a um barco encalhado que afunda também uma economia. A global. A que já estava afundada mesmo.
Daqui a nada há-de ser diferente,
daqui a nada vamos para a rua dançar,
daqui a nada voltamos aos abraços,
aos brindes e conversas cruzadas.
Daqui a nada há uma vacina, ou duas ou três ou vinte, as que sobrarem de países mais ricos,
talvez venham cá parar e possa ser diferente. Do agora, do que foi.
Pudéssemos nós reinventar o que nunca se viu, uma vez mais, mas agora com as rédeas nas mãos. Será que podemos?
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