Nas rugas profundas da cara do Sr. Jacinto podiam antever-se as preocupações que lhe haviam moldado
a vida, as preocupações que lhe serviram de motivação para se levantar ao mesmo tempo do sol e sair
de casa dia após dia - de semana ou fim de semana - sempre a dar vazão a mais um quintal que
precisasse de ser ajeitado; a uma sebe de ramos desalinhados que precisasse de ser endireitada; a uma
relva amarelada e com peladas que precisasse de ser acarinhada. Era assim o Sr. Jacinto, um trabalhador
empenhado e respeitado, que sabia mais de jardinagem que qualquer outro e assim havia indo
construíndo o seu caminho - mesmo quando outras empresas mais modernas começaram a aparecer. A
razão era simples e bonita: o Sr. Jacinto havia casado com a Maria, a rapariga mais delicada da rua e que
até despertou a paixão pré-adolescente do Sr. Dr. Francisco da Palma e Matos. Coisas de miúdos, é
certo, mas também o foi o facto de que a Dona Maria não se tinha deslumbrado com o filho dos
senhores. Claro que os senhores, ao primeiro sinal das palpitações do filho mais velho o enviaram
apressadamente para um colégio na capital e Maria, sempre recatada e delicada, nem sequer se fora
despedir dele. Anos mais tarde, quando ela aceitou namorar com o Sr. Jacinto, este preocupou-se pois
sabia que lhe caberia a ele dar-lhe uma vida digna e com condições, que até lhe permitissem comprar
dois ou três lenços novos quando ela quisesse.
Quando casaram, o Sr. Jacinto já havia conseguido uma casinha asseada, na mesma rua em que tantas
vezes a seguira com o olhar quando a mãe de Maria a vinha chamar para o jantar. Logo no primeiro ano
de casados ela deu-lhe um belo rapagão de 3 kilos e tal, com choro tão forte como o de um bezerro. E o
Sr. Jacinto preocupou-se, que agora eram três e depois passaram a 4 e a seguir chegaram a 5, a mais
nova a sua alegria, tão parecida com a mãe que era. De físico, de personalidade, tinha maiores
ambições. Ora com a família a crescer, o Sr. Jacinto preocupava-se ainda mais e trabalhava mais,
justamente o suficiente para assegurar que os três filhos pudessem crescer, estudar e fazerem-se à vida,
nas mesmas condições e com o mesmo conforto que todos os outros de famílias mais abastadas. Ou
quase. Certo era que os três estavam na capital, só a mais nova se tinha licenciado, mas os três bem
empregado. O mais velho era eletricista, o do meio estava na construção civil, e ela trabalhava numa
grande empresa de estrangeiros. Falava línguas, vestia de negócios, andava sempre pintada e arranjada.
Os três tinham casado, já havia netos que vinham de vez em quando, mas apesar da família a crescer, a
casa ia ficando cada vez mais vazia. Especialmente depois da morte da Maria, os miúdos vinham ainda
menos, os netos iam crescendo longe do olhar do avô. E o Sr. Jacinto, que outrora trabalhava por
preocupações, agora tinha que explicar ás novas clientes que não, que não se ia reformar, que era
mesmo das flores que gostava e que portanto para o ano ainda estaria disponível. Como no ano
passado, e todos os outros antes desse.