Lá fora o mundo arde, desenhando trilhos negros que assinalarão por anos os caminhos dos sopros emocionais de Zéfiro. Cá dentro o fogo é lento, carbonizando desejos e vontades que ficarão latejando em silêncio por uma vida inteira. Pelo que resta de uma vida que já foi inteira. O desnorte é enorme e a bússola rodopia furiosamente entre todos os pontos cardeais - quer o ambiente seja de festa, quer seja de dança, quer seja uma conversa apaziguada e até no silêncio do finalmente só. Não pára o desassossego, não diminui a velocidade. Talvez quando não reste verde na paisagem, a esperança possa passar de brasa laranja a cinzento pó. Se tudo for destroço, se a agulha perder o equilíbrio no eixo, se o magnetismo dos pólos mudar devido às temperaturas pós-incêndio - então os caminhos ficarão cobertos de cinza e a bússola acabará por se desintegrar, entregue a outro sopro de vento.
caixinhas de plastico da marca "Tapar! Where?"
Já fomos, já deixamos de ser, talvez estejamos de volta. Poderá ser o regresso do mito. O mito que nunca o foi.
segunda-feira, agosto 22, 2022
segunda-feira, setembro 06, 2021
neste momento
Neste momento, algures no mundo, alguém põe o pé descalço na areia de uma qualquer praia e respira em direção ao horizonte.
Alguém troca a fralda suja de um bébé, enchendo-o de beijinhos sonoros na barriga,
alguém acaba de escolher finalmente que livro levar e prepara-se para ir para a caixa.
Não sei de estatísticas, mas talvez duas pessoas tenham acabado de fazer match no tinder,
alguém abre uma cerveja para pôr um ponto final num dia cansado,
alguém abre a porta do carro em jeito cavalheiramente sorridente sem dizer que já estamos atrasados para o jantar,
alguma mãe irritada deixa escapar um grito de zanga e a sua criança se põe em sentido, já devido há algumas horas,
um escritor que não se intitula assim olha para uma folha em branco no computador sem saber muito bem como começar enquanto um pastor conta as cabeças do rebanho para estar certo que não lhe falta nenhuma.
em algum lugar sem assistência haverá uma folha seca que se desloca pelo vento do pé da raiz-mãe para uns metros mais à frente, será abrigo de um qualquer insecto desconhecido por esta noite,
alguém olha pela janela e suspira por outro alguém que não está por perto,
uma criança aprende que se pedir um desejo à primeira estrela da noite, ele talvez se concretize. Agora só falta saber o que quer desejar.
quinta-feira, abril 22, 2021
Dona Léria
Dona Léria
trazia
na voz
a calma de um lago primaveril.
Dona Léria
pestanejava
com
todo o tempo do mundo.
Um pestanejar
podia durar
todo um segundo.
Não guardava urgências - nem nas pregas da roupa, nem em lado algum.
Sacudia-as
com um respirar pausado,
afastava-as
com um manejar bailado.
Dona Léria embrulhava-se em tranquilidade, não tinha problemas com o silêncio - o que às vezes deixava as pessoas à volta confusas, desconcertadas. Que vinham com partes de histórias e voltavam totalmente desarrumadas. Dona Léria criava assim desarrumações pessoais,
e gostava.
terça-feira, março 30, 2021
Shhh, deixa-te estar sossegado mais um bocado
quinta-feira, janeiro 03, 2019
os primeiros três dias de um ano novo a estrear. De mais um ano a estrear, para já ainda tão parecido com o ano passado.
Faz hoje três anos que a avó morreu e ainda nunca escrevi sobre isso,
ainda não será hoje;
Hoje que está frio, hoje a quem falta uma hora para acabar.
Dão muito frio para esta semana, tanta coisa que podiam dar e dão frio, ah!, e também dão um eclipse lunar total. Está previsto atingir o seu auge algures pelas cinco da manhã; não creio que o vá ver, a vida moderna de trabalho não se suspende nos pequenos milagres da natureza e, pelo que me toca, este eclipse tem três anos de atraso.
segunda-feira, julho 23, 2018
Carta para um rapaz de 15 anos
terça-feira, dezembro 12, 2017
Serviço público de Natal - que livro oferecer?
- ROSA MONTERO, A CARNE - Um livro que todas as mulheres acima dos 50 anos deviam ler. Não tem nada que saber, é mulher? Tem mais de 50 anos? Oferece-lhe este livro. Já agora, tu és mulher, com mais de 50 anos e não recebeste este livro no Natal? Vai comprá-lo.
- PAUL AUSTER, 4321 - um livro para aquele tipo (ou tipa) que é cheio de curiosidade intelectual. Que gosta de pensar e puxar pela cabeça, que nunca pergunta que horas são mas que te pergunta o que andas a fazer na vida e quem queres ser.
- MIGUEL REAL, O ÚLTIMO EUROPEU 2284 - um livro para aquele gaiato ou gaiata, a partir dos 15 / 16, desde que sejam "uma granda cabeça". Também é óptimo para aquele amigo ou amiga que está sempre a fazer prognósticos acerca da ditadura para onde estamos a caminhar. - RITA FERRO, ÉS MEU - um livro muito curioso, que a recomendação é ambígua. Serve para aquela mulher melodramática, que vive tudo intensamente mas serve também e muito bem para aquele homem que nunca acerta com o que a mulher quer.
- PATRÍCIA REIS - A CONSTRUÇÃO DO VAZIO - indicado para aquela pessoa que lê bastante e gosta realmente de ler. Aquela pessoa que tem autores de eleição (especialmente se forem autores portugueses), aquela pessoa que gosta mesmo de um bom livro e tens medo de lhe oferecer um porque se calhar já o tem. Tem é que ter mais de de 23 anos, ok? É um livro que exige uma certa maturidade emocional e mesmo assim dói-nos um bocado, ao princípio. Até podia ser para mim mas eu já o li, aceito outros dela no entanto.
- YUVAL NOAH HARARI, HOMO DEUS - para aquela pessoa que está sempre interessada em perceber o mundo e a vida, tudo o que nos rodeia e os factos e dados sobre isso. Aquela que te alerta sempre para uma coisa curiosa que ainda não tinhas pensado nisso.
- COLSON WHITEHEAD, A ESTRADA SUBTERRÂNEA - para aquela pessoa que gosta de romances históricos ou de aventura, não mete reis e rainhas mas é um dois em um.
- ISABELA FIGUEIREDO, A GORDA - para aquelas meninas-mulheres que são ou querem ser verdadeiramente livres, descomplexadas e donas da sua vida. É um livro muita bom, que mostra que a vida não tem que ser o plano dos outros.
E, se até és uma pessoa que leu coisas boas este ano que passou, que livro recomendarias para quem?
PS - Serviço Público de Natal - done.
quarta-feira, junho 21, 2017
reflexões sobre as reações a Pedrógão Grande
segunda-feira, abril 10, 2017
quarta-feira, fevereiro 01, 2017
dia de folga
terça-feira, junho 07, 2016
O Rui e os Dias*
quinta-feira, junho 02, 2016
Insónia com reflexos
quarta-feira, junho 01, 2016
quarta-feira, abril 27, 2016
terça-feira, abril 26, 2016
weather report
Diziam que vinha para a chuva e para o cinzento mas (afinal) tinha vindo era para os intervalos (intercalados), como por exemplo hoje de manha (logo cedo). A manha ia ensolarada (mas fria) e depois houve (assim de repente) uma pausa (pequenina) de chuva torrencial (como se tivessem aberto mangueiras). Logo depois (assim seguidinho) voltou o sol e manteve-se (pelo menos meia hora!) ate ficar cinzento (mas menos frio).
E eh assim (eh mesmo) que se vive a Primavera (aos solucos) nesta ilha.
Era so isto (era mesmo).
segunda-feira, janeiro 11, 2016
segunda-feira, outubro 12, 2015
Os tropeções da Veva
era Vera o nome de baptizo mas os érres foram a última letra que aprendeu a dizer, numa fase em que já tinha pressa de chamar por si e de Vera passou a Veva e ficou assim.
Despachada já se vê que era, mas também trapalhona - fácil de adivinhar. Mais do que isso, a Veva tinha mesmo algumas particularidades que conforme quem as referia se tratavam ora de:
"engraçadas" (à vista de quem gostava dela),
"desesperantes" (à vista de quem precisava de resultados dela),
"inacreditáveis" (à vista de quem a acabava de a conhecer),
e,
"aterrorizantes" (à vista dela mesma que não sabia como lidar com elas).
A questão era de fácil diagnóstico e de re-la-ti-va-men-te fácil solução (não tão fácil assim, já lá chegamos),
Acontece que a Veva tinha aprendido mal duas lições na vida. Não sabia apertar os atacadores dos sapatos como-deve-ser nem sabia amar do-jeito-certo. Seja lá o que for isso de apertar os atacadores dos sapatos como-deve-ser, afinal de contas há tantas formas diferentes de apertar os atacadores... mas todas resultam e a dela simplesmente não resultava. Como consequência, a Veva andava aos tropeções pela vida - derivado do primeiro problema - e punha as pessoas a quem queria bem aos tropeções também - derivado do segundo.
A Veva sabia que tinha um problema e procurava incessantemente pela solução. Em todo o lado lhe aparecia - ou lhe diziam - tens primeiro que aprender a amar-te a ti mesma, tens que aprender a estar sozinha, só quando te valorizares poderás fazer alguém feliz e a Veva continuava aos tropeções e a magoar a quem gostava, a tentar descobrir sozinha como se faz, sem nunca lhe ter ocorrido que talvez a lição não lhe servisse. Afinal de contas, quantas são as pessoas que aprenderam sem ajuda como se dão nós nos atacadores?