Sabia de cor as cores das suas mãos
quando cruzava os dedos em apertados gritos mudos. Era estranho, como se
quisesse agarrar a raiva dentro das palmas e por vezes tivesse medo que a força
lhe faltasse. Apertava os lábios também, sempre o mesmo gesto, a expressão crua
nos olhos. Crua de existência.
- Que outras terras achas que pisas
que te asseguram seguros chãos?
Ninguém fala assim quando em vez de
palavras guarda nuvens cinzentas na cabeça. Ninguém fala mesmo, intraduções de
coisas indefinidas. Raios de tentativas de explicações a soçobrarem pelos
ossos, a rebentarem por dentro da pele, a baterem insistentemente contra o
mesmo invólucro selado, impossível saírem por esses cortes tentativas.
- Que outras terras achas que pisas
que te asseguram seguros chãos?
Como se não fossemos existência em
vazio. Como se houvesse mesmo a possibilidade de assegurar ou de nos segurarmos
a alguma coisa. Um cajado, havia senhores que tinham cajados, havia um tempo
infantil que achava que jamais o mundo se poderia desequilibrar se tivesse apoiado
num cajado firmemente cravado no chão. As mãos sob o queixo. As respostas sob
as mãos.
- Que rios são esses que tentas
travar sem fazeres de ti barragem?
A fluidez dos dias, dos momentos, das
pedras, dos "sim", dos agora. A fluidez imparável da falta do
concreto, a fluidez do cimento e do betão, não há nada indestrutível, não há
nada que dure agarrado ao lodo escorregadio do que já foi. Uma lágrima tem
menos fluidez do que essa promessa. Há no vento uma aspereza maior do que nesse
muro. É preciso, seria preciso, aprender a andar assim. Sem chão nos pés, sem
mãos no cajado. Pior que um bebé de ano. Trôpego, não bebas mais, não mastigues
a bebida, não mastigues essa raiva. Sôfrego, já não há, fluiu-se.
- Anda, vamos embora. Amanhã também é
dia.
Não são os dias que importam, são as noites. Quando as
coisas fluidas ganham algum peso. Quando a gente se ilude a pensar que há
coisas importantes e que vão durar. As noites são uma merda, por isso digo-te
bom dia, alegria, e construo uma casa de nevoeiro - o material de onde nascem
todos os outros.
1 comentário:
http://www.youtube.com/watch?v=pydUEoKDRkw
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