20 mil horas submarinas. Que passam e trespassam, e conversas à solta num ambiente demasiado encharcado em tabaco e hálitos que comem de menos e bebem de mais.
E falas, e contas, as histórias dentro de outras histórias, do tipo que te disse que conhecia um tipo que era terra de ninguém no meio de toda a gente. Esse tipo - dizes - o segundo, um infeliz. Daqueles que tem a mania que não pertence a lado nenhum, que não se enquadra, que quer ser diferente e dá brilho aos símbolos do seu lado de fora.
Sabes - continuas - eu não percebo. È como se as pessoas estivessem à espera que houvesse mais, que houvesse algo mais e portanto não querem isto. Como se outro lugar fosse melhor, e não fossem as mesmas pessoas, as mesmas conversas repetidas, os mesmos olhares com os mesmos pedidos... Eu já tive em muito sítio, tu sabes - e nem sequer estás à espera de um sinal afirmativo da minha parte, pois não? - e posso-te dizer que no final do dia, é tudo mais ou menos a mesma coisa. Aqui ou em outro lado. E, vamos lá ver, se é isto que temos, não vale mais a pena agarrá-lo, que ficar à espera de outra coisa qualquer diferente que nunca vai existir? Que raio de insatisfação é essa? E depois, e depois as pessoas e aquela maniazinha de começarem todas as frases por "eu", sabes? E de fazer monólogos como se fossem diálogos, a reclamarem das vidas e das filosofias dos outros, como se só eles conseguissem suspeitar de um mundo novo, uma terra qualquer prometida, como se ouvissem um qualquer chamamento secreto... sei lá... Eu acho um desatino. Porque nem sequer se esforçam em fazer diferente ou em perceber. Não percebo - e fazes uma pausa, com o olhar preso num horizonte que se estende a 30 cm de distância. Eu não conseguia. Tenho que agarrar as coisas, tenho que pôr a mão na massa, tenho que fazer acontecer... percebes? Não fico à espera a queixar-me. Não anseio por uma terra prometida. É isto que temos. Eu não vou desistir, não posso.
Sorrio-te. Digo-te que sim, que as pessoas são assim. Que não estás mal, mas que remas contra a maré, que mais ninguém sabe disso, que guardas um segredo diferente do outro segredo do livro.
Suspiras. Não acredito em filosofias-cor-de-rosa, eu sei que estou sozinho nesta luta, dizes. E fazes aquele olhar, de quem acha que não é de lado nenhum, de quem acha que não pertence a lugar algum.
Quanto custa, deixar de acreditar(-te)?
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