"O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo têm. O tempo responde ao tempo que o tempo tem tanto tempo, quanto o tempo tempo tem."
Talvez aquilo que temos de mais real na nossa vida, o tempo - o que temos e o que nos falta. E aquilo que mais temos de fictício na nossa vida - o tempo, concepção humana sobre a evolução natural dos organismos vivos e não vivos.
O tempo não existe fora de nós. Os animais não têm tempo, tem necessidades biológicas, tem comportamentos, tem uma evolução física que faz uma curva semelhante à da distribuição normal. (Sim, tenho noções de estatística.)
Os homens estão presos ao tempo. O tempo de estudar, o de comer, o de se divertir, o de trabalhar. Os homens andam atrasados, os bichos não. O Homem dividiu uma evolução em partes desiguais entre si, iguais entre outras. Arranjou "marcos", quando o sol aparecer ali é de dia, quando desaparecer dali é de noite. O período espacial (e não temporal) que vai do sol ir daqui até ali fica dividido assim. Quando o sol aparecer daqui-ali X vezes, chamamos-lhe assado. E quando forem 365 vezes, chamamos-lhe frito. Ah, mas depois ele não aparece ali de vez em quando, quando era suposto. Não faz mal, aí deixamos que ele apareça mais uma vez, de 4 em 4 vezes das outras. Ah, tá bem.
Estrutura, medida, uniformização, conceptualização - o tempo.
Problema: tempo flexível.
- Uhm? O tempo não é flexível, todos os minutos duram o mesmo.
- Mentira. Tive minutos na minha vida que demoraram mais de 3 horas. E tive horas na minha vida que duraram menos de dois minutos.
E todas as noites me duram mais do que os dias. As noites tem outro tempo que o tempo dos dias, outro ritmo, outra passagem. Os dias passam a correr, as noites arrastam-se com a lentidão de quem não tem ninguém à espera, de quem não tem contas que prestar.
- Ah, isso não é o tempo que duram, é a percepção que tu tens da sua duração.
- A percepção que eu tenho que uma coisa que não existe, mas que se faz sentir, fortemente, real. E chamas percepção àquilo que sinto e não à invenção de algo "criado" mas que afinal existe.
- Ah, não é assim tão simples.
- Pois não. Especialmente nos tempos desencontrados.
- Nos quê?? O tempo é sempre igual para toda a gente, estamos todos no dia não sei quantos do mês não sei que mais do ano tal. E são precisamente x horas. Se estamos no mesmo sítio, o meu tempo é igual ao teu.
- Sim, mas eu queria ficar contigo agora e tu achas que se eu te tivesse aparecido em outro tempo, poderiamos ter ficado mas agora não. Como se os nossos caminhos tivessem cruzados, mas em tempos diferentes.
- Ah, mas isso não é o tempo, isso é a oportunidade.
- Desperdiçada num tempo que não é o meu nem o teu.
- É, é, a nossa concepção temporal é a mesma.
- Mentira. Este ano para mim passou a correr. Este ano para ti demorou-se uma eternidade. O ano passado aconteceu-me isto, mas parece que foi há 20 anos atrás, que isto sempre existiu na minha vida. O meu tempo não é igual ao tempo que "uso" para me relacionar com as pessoas. Esse tempo imposto é uma plataforma comum de referenciação. Mas o meu tempo é diferente do teu. E pior, o meu tempo não está ao meu dispôr como quero.
- Estás a atrofiar, e eu estou sem tempo para te ouvir.
Quanto tempo terá o meu tempo para esperar por ti?
Quanto tempo dura a vertigem de uma queda, no desconhecimento do solo onde vai aterrar e do quanto vai doer?
2 comentários:
Muito bom. Uma vez mais soubeste escrever o que me vai na alma... muito muito bom. Nao tenho mais palavras.
Gosto muito de ti. (essas sempre as terei)
apesar da distância, n tamos assim tão longe. É curioso, isso. vidas a par e passo. destinos paralelos, com as mesmas pedras no caminho e os mesmos muros a saltar - tão diferentes, tão parecidos, tão próximos na sucessão temporal.
porque será?
afinal tb partilhamos outras coisas, algumas filosofias, teorias, ideias, atitudes... será disso?
curioso. desde que partilhámos um banco de comboio, já lá vão quase... duas décadas caramba. :)
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