Dona Mena tinha a elegância suave de alguns anos de ballet e muitos mais de doçura, tinha gestos alargados e falava PAU-SA-DA-MEN-TE, sem se deixar arrastar nas conclusões, sem se deixar aprisionar nas teorias. Sabia que o caminho era para a frente mas sentia nas pernas e nas costas o cansaço das correrias de outros tempos - tempos em que o mundo era casa e mudar era a vizinhança não desejada mas enfrentada com a coragem e confiança de quem tem nos pés a certeza dos caminhos e nos braços as asas dos sonhobjectivos.
Dona Mena, nos serões de lua cheia, olhava-se ao espelho entristecida e pensava para si mesma como a magreza lhe dava um aspecto frágil e convencia-se dos anos que tinha e das fraquezas traduzidas em artroses e das mazelas que dizia é-da-idade, que já-não-sou-o-que-era, e olha-para-isto, e que-foi-que-me-aconteceu, e será-que-fui-sempre-assim, e um ai-eu-nem-consigo-chegar-ali...
Era só quando adormecia que o espírito de dona Mena se voltava a levantar seguro, entre todas as histórias que já tinha passado e todas as que ainda vinham - e que ela ia negando, quando acordada - "ai-sei-lá-se-chego-lá". Era o que dona Mena fazia, negava-se a si mesma as forças que já tinha usado, nas desculpas das encruzilhadas da vida, que "antes tinha condições e agora não", que "antes tinha apoio e agora não", que "antes subia umas escadas a correr e agora não". Mas dona Mena ainda se lembra de si mesma às 3h da manhã sozinha numa cidade francesa, uma mala,17 anos de idade, 1.700 km de distancia de tudo o que ela conhecia. Entre o medo abandonado a decidir o que fazer, transformado na certeza de ser dona da sua vida na manhã seguinte, dona Mena tem ainda na ponta dos dedoss o resto adocicado de um croissant misturado com as rédeas da sua vida.
Na verdade quem a conhece sabe que dona Mena nasceu guerreira da paz e que é exactamente isso que continua a ser todos os dias, mesmo quando o tenta negar ou ainda quando não se lembra de saber que o é.