segunda-feira, novembro 29, 2010

A suspensão da vertigem. Como se num qualquer lugar ficassem guardadas as palavras por dizer, lado a lado com os sonhos por concretizar.Seria o sotão de um casarão imenso - as janelas do andar de cima fechadas e as escadas testemunhas.

"Quem consegue subir mais degraus? Quem consegue tocar na porta-que-nunca-se-abre-e-tem-um-monstro-e-espíritos-e-ainda-uma-bruxa-do-outro-lado?"

A porta quase tocada, última barreira entre o mundo e uma outra coisa habitada por seres que nunca ninguém viu mas que se ouvem nas noites em que cada estrela é uma pergunta a morar na mesma cabeça.

Quase toca, e foge.

Do lado de dentro a luz só entra pela fresta debaixo da porta, do lado de dentro há "ses" e "talvezes" e "deveria" que vêem as partículas de pó levantadas pelos passos apressados, pelos passos medricas mais corajosos.

Os fantasmas guardados, como se só existissem para brincadeiras de crianças antes de serem chamadas para o lanche, pelo menos até ao próximo anoitecer.

segunda-feira, novembro 22, 2010

a vida e a morte de D. Prudência

D. Prudência tinha idade indefinida e gostava de passar despercebida. Os seus passos eram sempre silenciosos e os seus movimentos repletos de tranquilidade.
D. Prudência gostava de vestir sorrisos apaziguadores e calças a rondar os beiges.
Era dada a cores neutras e pouco dada a dores intensas. Nunca tinha chorado em soluços, não sabia quando tinha dado a última gargalhada. Nem a primeira.

As pessoas no bairro simpatizavam com D. Prudência, isto é, cumprimentavam-na sempre que a viam. O que não era sempre que ela estava, às vezes passavam por ela sem ver, mas D. Prudência não levava a mal e dizia "bom dia" ou "boa tarde" na mesma. Falava baixinho porém e ficava na mesma sem resposta. Se o seu interlocutor se apercebia, ficava aflito, "D. Prudência, bom dia, nem a via, desculpe lá!" e logo D. Prudência corava com tanto alarido. E isto porque as pessoas simpatizavam verdadeiramente com ela, e ela simpatizava verdadeiramente com todos os equilíbrios da vida. "Que é isso que é importante, o equilíbrio" dizia baixinho a quem a conseguia ouvir.

D. Prudência, em toda a sua vida, só teve um azar, o mesmo que foi responsável pela sua partida deste mundo. Apaixonou-se dona Prudência, numa tarde em que o sol se punha em tons de vermelho e lhe apresentaram um homenzinho de gabardine igual à de outros milhões. Verdade seja dita, foi paixão à primeira vista que durou um serão inteiro, entre conversas, brincadeiras e sorrisinhos. Durou precisamente até à altura em que D. Prudência percebeu e se apercebeu de que não ia conseguir manter o equilíbrio, de que não queria manter o equilíbrio, que só queria perder-se num abraço, encontrar a sua pele naquela pele e enterrar os seus lábios naqueles lábios. Deixar-se sentir tudo de todas as maneiras.

Foi demais para D. Prudência, que logo ali esticou o pernil, quando o coração lhe explodiu dentro do peito, sem conseguir aguentar a intensidade do momento.

Enterraram-na num caixão de madeira, sem artifícios nem rebites bonitinhos, num canto ao lado do canto mais sossegado do cemitério. Raramente tem visitas, nem sempre as pessoas se lembram de lá ir. Quando se lembram, no entanto, ficam na dúvida se teria sido melhor D. Prudência nunca se ter apaixonado, ainda que isso a tenha matado.

sexta-feira, novembro 19, 2010

"querida, cheguei!"

supermodernidade, em vez de pós. Por causa das vertigens aceleradas no tempo, das velocidades incansáveis e das cidades que deixaram de dormir, por causa dos excessos. Tudo não chega, há mais além desse tudo, quero o que sobra de fora desse tudo. As cidades não dormem e tornaram-se sonâmbulas nas suas próprias esquinas, ilimitadas pelas possibilidades, dependentes dos seus não-lugares físicos.

E no entanto, no frenético excesso, os dias seguidos são espelhados, as semanas vizinhas idênticas, os meses fronteiriços praticamente iguais. Mas e os outros, mais afastados? 3 meses, e tudo muda. Dos anteriores 6? Não existe hoje nada. Nem vestígios, nem resquícios - uma ou outra memória meio desfocada que nem parece real. Ou se calhar é o hoje que não é real, ou se calhar foram duas existências paralelas, independentes, que nunca se cruzaram. Não pode ser, teve que haver continuidade obrigada pelo traço do tempo. É assim que a vida funciona, é assim que a lógica obriga. Teve que ser, teve que ser, teve que ser - se for dito muitas vezes pode ser que me acredite. Mas olho para tras e não vejo pontos de viragem. Estarão escondidos debaixo de algum tapete? Seja como for, é impossível um regresso.

Os regressos são sempre impossíveis, pela velocidade intransigente, o sentido é só um e é para ali, pára aí. E no entanto, todos os dias são espelhados, todos os dias são idênticos e todos os dias te sentes a regressar a casa. E anseias, em alguma parte do dia, esse momento em que chegas e anúncias a chegada, o regresso a casa, o retorno ao sítio de onde és, onde pertences. Mas os regressos são impossíveis. Será ilusão?

Só pode ser ilusão, pela vontade, pelo desejo de que seja um regresso. Como se se pertencesse a algum sítio. Daqui a 6 meses podes nem reconhecer a mesma casa, quando fores sair à noite e a encontrares pintada e arranjada de maneira diferente, com gestos diferentes, novo corte de cabelo e novas manias e palavras. Pode acontecer. Pode não acontecer. No entretanto, mantêm-se a ilusão, porque sabe bem.

Não me posso esquecer disto, que é ilusão, que os regressos não são possíveis... não me posso esquecer disto mas... está-me a saber bem.

quarta-feira, novembro 17, 2010

Sleep on needles

Ask me anything you like
I'll reveal everything
I will treasure the truth
You could know anything

I am but a fool to play unaware of things
If I'd treasured the truth
I would tell it to you
I'm coming down to tell you what I know
To say what's real, to let you know
Where I have been and how I had to

Sleep on needles
You'll believe you are hard
Sleep on needles
And hear only the truth

Am I likely to succeed with the way things are?
Judging by your smile
You are holding something back
I'm sleepless around midnight
There's a change in the wind
The remembrance of things you used to hold back
I come around each time your notes are high
To tear you down and drag you up
To let you know what's going on while I

Sleep on needles
You'll believe you are hard
Sleep on needles
And hear only the truth

http://www.youtube.com/watch?v=fGuijAGjlZU

quarta-feira, novembro 10, 2010

pára-doxo, pára.

20 mil horas submarinas. Que passam e trespassam, e conversas à solta num ambiente demasiado encharcado em tabaco e hálitos que comem de menos e bebem de mais.

E falas, e contas, as histórias dentro de outras histórias, do tipo que te disse que conhecia um tipo que era terra de ninguém no meio de toda a gente. Esse tipo - dizes - o segundo, um infeliz. Daqueles que tem a mania que não pertence a lado nenhum, que não se enquadra, que quer ser diferente e dá brilho aos símbolos do seu lado de fora.

Sabes - continuas - eu não percebo. È como se as pessoas estivessem à espera que houvesse mais, que houvesse algo mais e portanto não querem isto. Como se outro lugar fosse melhor, e não fossem as mesmas pessoas, as mesmas conversas repetidas, os mesmos olhares com os mesmos pedidos... Eu já tive em muito sítio, tu sabes - e nem sequer estás à espera de um sinal afirmativo da minha parte, pois não? - e posso-te dizer que no final do dia, é tudo mais ou menos a mesma coisa. Aqui ou em outro lado. E, vamos lá ver, se é isto que temos, não vale mais a pena agarrá-lo, que ficar à espera de outra coisa qualquer diferente que nunca vai existir? Que raio de insatisfação é essa? E depois, e depois as pessoas e aquela maniazinha de começarem todas as frases por "eu", sabes? E de fazer monólogos como se fossem diálogos, a reclamarem das vidas e das filosofias dos outros, como se só eles conseguissem suspeitar de um mundo novo, uma terra qualquer prometida, como se ouvissem um qualquer chamamento secreto... sei lá... Eu acho um desatino. Porque nem sequer se esforçam em fazer diferente ou em perceber. Não percebo - e fazes uma pausa, com o olhar preso num horizonte que se estende a 30 cm de distância. Eu não conseguia. Tenho que agarrar as coisas, tenho que pôr a mão na massa, tenho que fazer acontecer... percebes? Não fico à espera a queixar-me. Não anseio por uma terra prometida. É isto que temos. Eu não vou desistir, não posso.

Sorrio-te. Digo-te que sim, que as pessoas são assim. Que não estás mal, mas que remas contra a maré, que mais ninguém sabe disso, que guardas um segredo diferente do outro segredo do livro.

Suspiras. Não acredito em filosofias-cor-de-rosa, eu sei que estou sozinho nesta luta, dizes. E fazes aquele olhar, de quem acha que não é de lado nenhum, de quem acha que não pertence a lugar algum.

Quanto custa, deixar de acreditar(-te)?

domingo, novembro 07, 2010

bluuuuuuuurps.

duas da manhã e um céu desconhecido, apagado, escuro.


com tanto tempo de existência por aqui, estranha que seja desconhecido.


aquilo que se reconhece não tem só a ver com o tempo com que existe, tem a ver com aquilo que tu queres reconhecer como existente.


olha que não, segundo a filosofia budista, tudo o que fizeres durante 21 dias, se torna um hábito. segundo a praticidade oriental, o que se torna um hábito faz parte de ti. portanto, 21 dias chegam para te definirem.


ainda bem que eu nunca confiei nos budistas então. parecem sossegadinhos, mas nunca fiando.


os budistas não são questão de confiança!


achas tu.

quarta-feira, novembro 03, 2010

GPS

Desde o primeiro GPS que tive (que se chamava Gabriela Paulinha dos Santos) e que morreu nova (o Deus dos GPS's que a tenha, coitada) que efectivamente me tornei um pouco dependente do dito aparelho. Tanto em viagens compridas como em descobrir ruelas e ruínhas aconselhadas por alguém ou alguma publicação real ou virtual.

Dá-me mais jeito não ter que pensar. Vá. Acho que basicamente é isso, não ter que pensar, não ter que planear, não ter que procurar informação num sítio para o usar no outro sítio e guardá-la na memória durante esse espaço de tempo até que a sua utilidade expire de prazo. Pronto, dá-me mais jeito ser preguiçosa, no fundo.

Apesar de reconhecer a utilidade dos GPS's, acho que há com certeza muito espaço para evolução. Assim do estilo, um GPS-amigo, que faça conversa, jogue a jogos, introduza novos pedacinhos de conhecimento cultural / trivial e não me grite "vire à direita" como se mandasse em mim.

Assim, uma coisa mais social... "È aqui à direita pah", seguido de um "aqui, aqui, aqui!" e depois um "jááááá t'enganaste outra vez" parece-me que era um conjunto de frases que ouviria bastante.

se calhar não é assim grande ideia, não.