sexta-feira, dezembro 31, 2010

O chão que pisas, sou eu.

Disfarça o sabor a sangue na boca. E tenta andar em pé, com as dores de quem tem os joelhos partidos, os calcanhares desfeitos, a carne a colar-se no chão, os ossos a baterem no chão e as pessoas a pensarem que o batuque é da sola dos sapatos. As pessoas, a pensarem que pensam e a comerem pensamentos mastigados pelos olhos.
Cuidado quando tentares fazer um sorriso. Há o perigo de te sair um esgar esquisito, capaz de pôr a chorar qualquer criancinha tenrinha. Cuidado quando apertares a mão a alguém, capaz de lhe partires alguns ossos para lhe tentar mudar a linha do destino. Não vai resultar, sabes disso. Cuidado quando entrares no autocarro, capaz de comeres à dentada os bancos e talvez o motorista e os passageiros, e depois vomitá-los agarrado ao pneu, canibalismo bulímico, o sabor a sangue dos outros misturado com o teu, misturado com o vómito e a bílis e as cores novas que se criam nessa poça aos teus pés. Quase poético, o vómito esverdeado-acinzentado, se não se tivesse transformado num lagarto emprenhado de lombrigas a correr pela cidade fora. Por esta cidade fora, por esta cidade dentro, nesta cidade sepultado por debaixo do alcatrão negro, por de cima dos alicerces podres, dos ninhos das ratazanas.

O corpo, nauseabundo, a espalhar-se no chão, sem espanto, nem coragem, nem força, nem vertigens.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

Tábua de crenças II (2010)

Acredito na insistência e na teimosia. Porque as coisas criam-se e constróem-se nas rotinas do dia-a-dia, nas horas iguais às outras horas e não nos momentos geniais de inspiração metafísica.

Acredito nos momentos geniais de inspiração metafísica, mas, pelo sim pelo não, que é melhor não contar com eles.

Acredito que as pessoas não mudam mas sei que evoluem e se tranformam. Acredito que tenho que me lembrar mais vezes que o fazem apenas por processos internos de descoberta e não porque alguém lhes oferece as respostas que precisam embrulhadas em papel verde e laçarote vermelho em cima.

Acredito nos recomeços como forma coerente de evoluir no mesmo percurso.

Acredito que a chuva a bater no rosto ajuda nesses recomeços.

Acredito na consistência do ser, dos acontecimentos e dos processos, como forma de tomada de decisão mais livre e acertada. Acredito na inconsciência como forma de sentir a liberdade na pele.

Acredito no auto-controle e na racionalidade como forma de perceber e fazer. E nos sentimentos e como forma de ser, sentir e querer.
Acredito nas escolhas por opção. E nas inevitabilidades, por emoção.

Acredito profundamente nos paradoxos. E em que os paradoxos podem trazer coerência.

Acredito na boa vontade como valor alicerce para o entendimento entre pessoas. Tudo o resto vem depois. Se a boa vontade não for comum, mais nada poderá ser contruido em comum.

Acredito que os gestos das pessoas valem mais do que as suas palavras.
Acredito nas palavras, fora das pessoas. E nos cheiros que trazem.

Acredito que é possível ver-se mais do que aquilo que se vê. E para isso, basta olhar de verdade.

Acredito em planos e estratégias.
E na falta deles e delas.

Acredito no silêncio da minha casa. E no barulho das conversas soltas entornadas em copos de vinho, servidas como aperitivos para as descobertas dos sentidos - da vida e dos sensoriais.

Acredito que é na variedade que se encontra o conhecimento. E que acreditarei sempre nisto, ou que espero acreditar sempre nisto.

Acredito que tenho as mãos cheias de nada e que vão continuar assim até morrer. Que nunca irei agarrar nada mas que há momentos em que posso tocar em algumas coisas - tal como emoções, sentimentos, pessoas, sonhos - e até segurá-los um bocadinho, saber-lhes as formas, consistências, texturas, antes de voltar a ficar com as mãos cheias de nada.

"Acredito que aquilo em que acreditamos faz de nós aquilo que somos e que é uma ajuda lembrar disso quando nós próprios nos sentimos perdidos."
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Em 2003 escrevi um texto chamado "tábua de crenças", pode ser lido aqui.

Em 2010 andava às voltas com ele, que seria altura de escrever um novo, mas não me saía. E no natal, a minha mãe ofereceu-me com um metro de altura. E eu gostei mesmo, mas decidi que antes do final de 2010 teria que escrever um novo. E escrevi.

terça-feira, dezembro 28, 2010

*

Estou preocupada.
Perdi um asterisco.

Não sei onde o deixei, já procurei:
nos bolsos das calças
nos bolsos dos casacos
nos bolsos da bolsa
no carro
no chão do carro
nas almofadas do sofá
por debaixo das almofadas do sofá
no hall do prédio
no caminho que fiz daqui-até-ali

e não o encontro.

Perdi um asterisco e faz-me falta.
Não tanta quanto um ponto final, ou uma vírgula, é certo. Mas faz-me falta, o asterisco. Posso substitui-lo por BêJotaÉsse, mas não é a mesma coisa.

Preferia ter perdido outra coisa qualquer. Nunca se escolhem as coisas que se perdem.
Se alguém encontrar o meu asterisco, que me avise. É meio despenteado e tem um ar desconfiado quando não conhece as pessoas, mas depois é todo ternurento e meiguinho. É cor-de-rosa, para mal dos meus pecados que não gosto do cor-de-rosa, mas era a promoção que havia na loja do chinês, de asteriscos sem olhos em bico, só cor-de-rosas. E cheira a algodão-doce.

Eu sei, assim descrito nem parece que era meu. Mazéra, mazéra.

Se calhar foi isso.
Por não parecer meu.
Se calhar não o perdi, foi ele que se foi embora.

Fui abandonada por um asterisco.
E nem carta de despedida deixou.
Nem me avisou que ia lá fora comprar tabaco.

Se alguém encontrar o meu asterisco, que fique com ele.
Não o quero de volta.

Vou arranjar outro para mim,
um que seja líquido,
que seja feito de água:

Quero entornar asteriscos nas varandas dos vizinhos de cima.

segunda-feira, dezembro 27, 2010

linhas cruzadas em becos

"So many people live within unhappy circumstances
and yet will not take the initiative to change their situation
because they are conditioned to a life of security,
conformity, and conservatism, all of which may appear
to give one peace of mind, but in reality nothing is more dangerous
to the adventurous spirit within a man than a secure future.
The very basic core of a man's living spirit is his passion for adventure.
The joy of life comes from our encounters with new experiences,
and hence there is no greater joy than to have an endlessly
changing horizon, for each day to have a new and different sun."

Chris McCandless



O dia amanhece do lado de fora da janela. Um casal de adolescentes recém-apaixonados e recém-desvirgindados prende-se em suor e cansaço num abraço carinhoso. O teu despertador toca, mais 5 minutos, pensas. Os adolescentes adormecem no mesmo tempo em que te convences que tens mesmo que sair da cama. Entrar no banho. Escolher roupa que vestir, saltos que usar, não esquecer de combinar a mala nem de levar o laptop. O sr. Zé da pastelaria já abriu portas há que tempo, serve o café ao sexto cliente do dia, e um bolinho acabado de fazer. Vestes as calças e o botão aperta a custo, engordei?, e o sexto cliente do dia limpa as migalhas da boca e põe-se a caminho do escritório, mesmo aqui ao lado. Vai-se despedir hoje, que está farto de ser mal tratado por um chefe antipático, que tem ido a entrevistas várias, que finalmente a sorte lhe sorriu e agora sorri ele, dono de uma liberdade que se vai encostar a uma nova rotina.

O casaco, onde deixaste o casaco? ah, está no carro, falta o computador e duas trancas à porta que esta cidade confia mas não é de confiança. E passa na rua uma menina com o cabelo em trança, galochas para a chuva e dona de todas as poças enquanto a mãe reclama, na verdade porque há muito que não se encontra com o pai na cama, que lhes terá acontecido, é stress do trabalho, é stress do trabalho, nada preocupante, todos os casais passam por isto.

Guias pelo meio da cidade, passam edifícios, janelas, alcatrão, carros. Passam sonhos, desejos, medos, esperanças, expectativas. Semáforo vermelho, velho desdentado com a revista dos pobrezinhos, uma moeda, uma moeda, e tu que não e ele que segue para o outro carro, tal como seguiu a sua triste vida depois de ter enterrado dois filhos, depois de se ter apercebido que os outros três por ele não se interessam nada, que a culpa foi sua, que devia ter batido menos na mulher que tinha, que devia ter bebido menos e já resultava mas se conseguir vender só 2 revistas hoje já pode ir buscar um copo d3 ao António do bairro, que já não lhos vende fiados, mas se pagar o primeiro talvez lhe ofereça o segundo.

Entras no escritório, cumprimentas o porteiro, cumprimentas o segurança, sorris para os colegas com quem te cruzas no corredor. Cruzadas estão também as raças dos 5 cães que acabaram de ser paridos num quintal do outro lado da estrada e que amanhã, quando forem descobertos, vão fazer as felicidades do filho mais novo e angustiar a mãe não-tão-velha.

O dia de trabalho passa-te rápido, com muitos afazeres e decisões, planos e estratégias, vendas e compras. Lá fora os tempos do mesmo dia são outros: lento para os velhos colados à televisão, incrivelmente veloz para as crianças no infantário, praticamente parado no velório da igreja, em imperfeita pausa na sala de espera das urgências do hospital, ligeirinho nas carteiras e nos bares das universidades, curto na instituição de solidariedade social, onde curtas são também as mãos que dão quando comparadas com as que se estendem.

Ao jantar, enches 4 copos de vinho com histórias de tempos que passaram há pouco tempo, mas que vos parece muito, nessa mesa de amizades e frases adivinhadas, aventuras partilhadas, gostos reconhecidos. Ao jantar regressa a casa o marido ingenuamente encornado, o pai taxista muito suado, o filho estroina sempre animado, a criança ranhosa já de ar ensonado. Do outro lado do mundo nasce o dia e algumas vidas preparam-se para sair da cama, outras entram nela em horas desorientadas, os ciclos empurrados na rotação de uma terra que não sendo de ninguém é de toda a gente.

Pela janelas vês outra janela de luz acesa, o sabor do vinho adoça-te o pensamento, o dia correu-te bem com direito a elogio do chefe e palmadinha nas costas. Daqui amanhã espera-te uma promoção, daqui amanhã casas-te e tens filhos, daqui amanhã envelheces e não sabes o que te aconteceu. Há outra saída? Há outra alternativa melhor?

É o ritmo da vida, de todas as vidas, os rumos que tem que levar. Olhas à volta, uma já casada, o outro é para o ano, a terceira não está para lá encaminhada, mas há-de estar, há-de estar, que é isso que se faz.

Como explicar então que de repente o vinho te deixe um sabor amargo a insatisfação?

(Todas as outras vidas com que nos cruzamos sem saber, todas sem excepção, são pessoas que tentaram fazer delas o melhor possível, dentro do que souberam, dentro do que puderam. Mas esqueceram-se de se saberem vivas, esqueceram-se de se saberem existentes. Acontece, às vezes. Estar vivo não é o contrário de estar morto, pode-se estar vivo sem se estar, por desconhecimento desse facto.)

domingo, dezembro 26, 2010

Dona Perpétua

Corria o ano de 2004 e lembro-me de dona Perpétua que não corria para lado nenhum. Corríamos também nós, atrás de uma bola chutada com força a mais, à frente de um cão vadio que nos acompanhava por um dia, debaixo de um sol que nascia tarde demais para a nossa excitação de aproveitar até ao tutano todas aquelas férias de verão na vila.

D. Perpétua não corria, mas tinha por norma um passo apressado quando passava por nós. Mas parava-se, quando eu lhe falava, e eu falava-lhe mais por simpatia do que por educação, tenho que confessar. Gostava de dona Perpétua, que morava na casa abaixo da dos meus avós e ás vezes me convidava a entrar para uma queijada-quentinha-acabada-de-fazer. Enquanto a trincava com gosto, demorava-me a olhar para as coisas na sala, tinha muitas coisas, a sala de dona Perpétua. Mais de 500 molduras com fotos de caras que eu não conhecia, dizia 500 mas a noção de 500 na cabeça de uma criança são apenas muitas e não verdadeiramente 500. Mais do que as que eu sabia contar: 500. Eram fáceis as contas naquela altura, e era fácil saber que também eram mais de 500 as caixinhas de loiça de dona Perpétua. Umas até tinham coisas dentro, botões de casacos que já não existiam, papéis de contas já saldadas, bilhetes de coisas que já tinha visto, sei lá que mais. Dona Perpétua não me deixava abrir as caixinhas porque eu tinha as mãos sujas de queijadas e podia partir alguma, então ela às vezes abria umas para eu ver.

Que eram recordações, explicava-me, e eu também gostava dela por aquele sorriso triste que ela fazia quando o dizia. Ou quando falava dos filhos, estão lá na capital grande, dizia, e são senhores importantes, e sorria, um sorriso diferente de quando o Júlio marcava um penalti, ou quando o Pedro descobria mais um ninho com passarinhos lá dentro.

Dona Perpétua dizia que não sabia quando era a próxima vez que ia ver os filhos importantes. Eu estranhava, será que a minha mãe também conhece outros meninos que nunca me viram? Se calhar dona Perpétua vai buscar os filhos no intervalo da escola, só que eu é que só cá estou nas férias, pensava. Mas estranhava que ela não soubesse quando acabavam as aulas, a minha mãe sabia. Mas não ligava muito, "e aquela? o que tem?" apontava para outra caixinha, uma agulha com uma linha branca, dona Perpétua já não se lembrava que bainha ou remendo teria servido.

"Sabes, eles crescem e vão-se embora de casa, é assim a vida" dizia-me, e eu percebia, que eu também já era crescido e tinha saído de casa logo de manhãzinha para vir jogar à bola.

terça-feira, dezembro 21, 2010

Pai Natal, toda a verdade!

Depois de muito pensar - aprox. 3 a 5 minutos - achei que devia revelar a verdade nua e crua sobre o máximo representante da quadra natalícia! Chegou a altura de pôr cobro a uma farsa que dura há demasiado tempo e - que como pessoa desocupada que sou - sinto-me na obrigação de denunciar! Espanta-me apenas que nunca ninguém tenha pensado nisto, já que a os factos estiveram sempre à vista. Nunca, até ao dia de hoje, tinha prestado muita atenção ao que estou prestes a revelar e confesso que a minha perspicácia - que sempre considerei im-pe-cá-vel!!! - levou a melhor de mim durante os meus hu hum ... 21 anos de existência. Bastou uma soma de todos os factos para chegar à conclusão de que:

O PAI NATAL SÓ PODE SER GAY!!

Se não, como explicar:
- As botas pretas de cano alto! Um homem a sério não usa calças para dentro das botas a não ser que seja pescador (e isso são galochas!!);
- O desejo incontrolável de comer biscoitos caseiros com copinhos de leite branco? ("Ai ai, o que me apetecia mesmo era dar uma penaltada num copo de leitinho mimosa!!")
- O cinto largo, também ele em pele preta, a fazer pandan com as botas de cano alto! Além disso, onde já se viu um pançudo que aperta o cinto debaixo do peito e não no princípio do baixo ventre deixando o rêgo a descoberto?
- Só contrata trabalhadores pequeninos e alegres, vestidos de calções, suspensórios e collants às riscas!! Já para não falar de que o meio de transporte dele é um trenó puxado por renas!!! Homem que é homem arranja pêcherons ou minotauros ou outra coisa qualquer máscula que rosne ou grunha.... agora renas voadoras com narizinhos encarnados...

Enfim, ou é gay ou tem uma mulher muito autoritária...



A desgraça de dona Graça

Dona Graça era senhora de braços enérgicos e roliços. Suas pulseiras douradas tilintavam nos movimentos elegantes e decididos, eram a banda sonora das vírgulas e pontos finais de suas frases.

Como se costuma dizer, dona Graça enchia uma sala - de vozes altas, de gargalhadas bem dadas, de frases afectadas, de gestos pensados e de gordura adiposa. E usava túnicas soltas e vestidos leves, para disfarçar o peso, se bem que este não lhe pesava, nem na energia, nem na leveza do seu ser, nem nos recônditos da sua consciência quando se deliciava com qualquer sobremesa cheia de creme.

Alegre, quase sempre, a verdade é que dona Graça não era descontraída. Tinha preocupações, dona Graça: com os filhos e as filhas que parira, o marido que a escolhera, os sobrinhos que lhe tinha dado, as vizinhas com que lidava, as associações a que presidia e os jantares de festa que promovia.

Não parava muito tempo para pensar, entretida nos seus afazeres, ritmo constante da vida sucessiva, pontuada nos tilintares de suas bugigangas: mais um baptizado para ensaiar, uma festa de beneficiência para orquestrar, um problema inconfessado de um sobrinho que por um olhar tinha adivinhado, tudo-tudo-tudo-tudo dona Graça resolvia. Mesmo quando as pessoas, coitadas, se zangavam com ela - injustas, as pessoas, que não percebiam que ela só as queria ajudar. E ingratas, porque nunca lhe agradeciam convenientemente. Não que dona Graça quisesse agradecimentos, "mas já viu óh Rosarinho? Tanto que eu fiz por ele e nem um 'obrigado tia' decente. Nem os pais dele, já viu?"

A vida de dona Graça resolveu gracejar com ela num pretérito inacabado, em meados do ano passado. Foi por razões de uma ida ao Brasil - viagem habitual que já há uns anos não repetia. Não levava o marido, não, que os homens para estas coisas são uns chatos; um grupo de amigas, que as compras tem que ser feitas e a diversão fica muito mais garantida.

No terceiro dia da estadia, deparou-se dona Graça com uma Casmerodius albus. De porte elegante, graciosidade no andar, magestidade no olhar e asas que pareciam feitas de nuvens. A verdade é que dona Graça já tinha visto outras garças, mas nunca deste tamanho. E irritou-se: bochecas encardidas do encarnado, gotas de suor a escorregarem entre as moles mamas, pulseiras e berlicoques a pontuar e a exclamar os tremeliques da irritação patentes nos braços e nas mãos.

Deu-se conta dona Graça, que o érre do seu nome e do da criatura estavam trocados, que era ela, a Graça que tinha voz esganiçada e era a outra, a garça, que era cheia de graça na vida livre que vivia. Deu-se conta dona Graça, que não podia voar, que estava presa à teia que lhe tinham cuspido, que nunca tinha questionado o que tinha querido, que nunca se tinha lembrado de acordar e sair da cama feita de lençóis de expectativas, normas, códigos e suposições.

Deu-se conta dona Graça, que os anos que tinha e não confessava haviam sido dispendidos em energias inúteis, esforços inglórios, traduzidos em resultados nulos nas suas importâncias. E as suas rugas não eram as testemunhas de um caminho preenchido, eram antes a marca acusadora de uma vida tão pouco tentadora.

E a irritação subiu-lhe à fronte e a garça defronte nem a olhava e dona Graça em desgraça rebentou de irritação.

Depois de recolherem os seus pedaços espalhados, puderam apontar no relatório médico a causa da morte: "consciência tardia". E o médico que o escreveu olhou para o enfermeiro e desabafou, que é este dos poucos casos em que mais vale nunca que tarde.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

De um mal-me-quer para o mundo

Meu amor,

Escrevo-te aqui de Lisboa para te dar uma notícia grave: o Inverno chegou.
As pessoas andam de cara feia e ombros encolhidos, a tentar proteger-se do frio e da chuva. Os dias amanhecem sem sol e o tejo já se cobriu daquela cor cinzenta escura de quem não dá cavaco a ninguém.

À minha volta, os outros mal-me-queres encolhem-se em protestos. Nunca percebi isto de protestar encolhido, entre-dentes. Acho que têm medo, mas não sei do quê. Acusam-me de falta de prudência ou juízo, mas acho que eles tem medo das histórias que se inventam sozinhos.

Daqui de onde estou, continuo a esticar-me em direcção ao céu. Nem sempre é fácil, mas também não é difícil. Conheço o sabor da chuva, já. E das solas de sapatos. Eles não, e apontam-me as marcas que vou ganhando. Não serei o mal-me-quer mais bonito da primavera, não sei se chego à primavera.

Tu sabes, nunca foi à primavera que quis chegar. Foi sempre ao ponto mais alto da mais alta montanha, ao fundo mais negro do buraco mais escuro.

O outro dia conheci uma mulher que era esposa, logo por detrás de ser mãe e antes de ser meio casal. Saiu à rua com as pernas de trazer por casa e os olhos cheios daquela solidão que se entranha nos ossos. Trazia um miúdo pela mão e a falta de si pela outra. Não estou certo que ela saiba da sua existência. Nem da sua inexistência. Talvez também se tenha inventado medos, antes de se coser com as linhas das expectativas alheias. Não sei se ela se acusa de ter escolhido o caminho mais fácil, sem saber que entrou no labirinto mais difícil. Ou se se congratula por ter conseguido cumprir o plano que alguém planeou para ela.

Às vezes acho que o mundo anda trocado. Mas depois aparece um daqueles dias de inverno com sol e esqueço-me disso.

Acho que amanhã vou ter contigo. Os outros mal-me-queres desta calçada não só não querem vir comigo, como já me disseram que não podia. Porque nunca nenhum tinha levantado as suas raízes, porque temos folhas e não asas. Eu ouvi-os, mas não os percebi. De resto, estavam outra vez a protestar encolhidos.

Pelas minhas contas, devo chegar à hora de jantar. Mas não tenhas trabalho a preparar nada de especial, se me arrancares as folhas uma por uma é suficiente. E prometo que a que vai sobrar, será um bem-me-quer.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Progenitorices!

Acabadinha de chegar a casa:

Eu: "Mãe a internet não está a funcionar."
Mãe: "Telefona para a linha de apoio Meo"
Eu: "Qual é o número?"
Mãe: "Vê aí na net."

Não há como não adorá-la...

Os homens andam atrasados, os bichos não. (parte I)

"O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo têm. O tempo responde ao tempo que o tempo tem tanto tempo, quanto o tempo tempo tem."

Talvez aquilo que temos de mais real na nossa vida, o tempo - o que temos e o que nos falta. E aquilo que mais temos de fictício na nossa vida - o tempo, concepção humana sobre a evolução natural dos organismos vivos e não vivos.

O tempo não existe fora de nós. Os animais não têm tempo, tem necessidades biológicas, tem comportamentos, tem uma evolução física que faz uma curva semelhante à da distribuição normal. (Sim, tenho noções de estatística.)

Os homens estão presos ao tempo. O tempo de estudar, o de comer, o de se divertir, o de trabalhar. Os homens andam atrasados, os bichos não. O Homem dividiu uma evolução em partes desiguais entre si, iguais entre outras. Arranjou "marcos", quando o sol aparecer ali é de dia, quando desaparecer dali é de noite. O período espacial (e não temporal) que vai do sol ir daqui até ali fica dividido assim. Quando o sol aparecer daqui-ali X vezes, chamamos-lhe assado. E quando forem 365 vezes, chamamos-lhe frito. Ah, mas depois ele não aparece ali de vez em quando, quando era suposto. Não faz mal, aí deixamos que ele apareça mais uma vez, de 4 em 4 vezes das outras. Ah, tá bem.

Estrutura, medida, uniformização, conceptualização - o tempo.

Problema: tempo flexível.

- Uhm? O tempo não é flexível, todos os minutos duram o mesmo.
- Mentira. Tive minutos na minha vida que demoraram mais de 3 horas. E tive horas na minha vida que duraram menos de dois minutos.

E todas as noites me duram mais do que os dias. As noites tem outro tempo que o tempo dos dias, outro ritmo, outra passagem. Os dias passam a correr, as noites arrastam-se com a lentidão de quem não tem ninguém à espera, de quem não tem contas que prestar.

- Ah, isso não é o tempo que duram, é a percepção que tu tens da sua duração.

- A percepção que eu tenho que uma coisa que não existe, mas que se faz sentir, fortemente, real. E chamas percepção àquilo que sinto e não à invenção de algo "criado" mas que afinal existe.

- Ah, não é assim tão simples.
- Pois não. Especialmente nos tempos desencontrados.

- Nos quê?? O tempo é sempre igual para toda a gente, estamos todos no dia não sei quantos do mês não sei que mais do ano tal. E são precisamente x horas. Se estamos no mesmo sítio, o meu tempo é igual ao teu.
- Sim, mas eu queria ficar contigo agora e tu achas que se eu te tivesse aparecido em outro tempo, poderiamos ter ficado mas agora não. Como se os nossos caminhos tivessem cruzados, mas em tempos diferentes.
- Ah, mas isso não é o tempo, isso é a oportunidade.
- Desperdiçada num tempo que não é o meu nem o teu.

- É, é, a nossa concepção temporal é a mesma.
- Mentira. Este ano para mim passou a correr. Este ano para ti demorou-se uma eternidade. O ano passado aconteceu-me isto, mas parece que foi há 20 anos atrás, que isto sempre existiu na minha vida. O meu tempo não é igual ao tempo que "uso" para me relacionar com as pessoas. Esse tempo imposto é uma plataforma comum de referenciação. Mas o meu tempo é diferente do teu. E pior, o meu tempo não está ao meu dispôr como quero.

- Estás a atrofiar, e eu estou sem tempo para te ouvir.

Quanto tempo terá o meu tempo para esperar por ti?
Quanto tempo dura a vertigem de uma queda, no desconhecimento do solo onde vai aterrar e do quanto vai doer?


quarta-feira, dezembro 15, 2010

Variações infinitas de um blog'ere

Escrever. Where? É suposto escrever aqui. Onde? Onde puder. Não, essa é outra, já existe. Onde? Aqui. What? Right there. Escrever aqui. Writehere. Espera, tem que rimar. Tem que ficar assim…redondinho. Redondinho pronto. Writethere. E agora? Agora já tenho um nome, tenho que escolher uma cor. Não pode ser preto, não pode ser azul. Dizem-me: escreve. escreve o que quiseres, assim sem limites, vamos abrir espaço às variações infinitas que se alimentam por dentro num diálogo de sombras desgarradas. Mas não posso escolher a cor. Primeira ilusão de liberdade. Posso escrever mas não escolher a cor. Claro que podes. Podes escolher todas menos…pronto, todas menos. Ou “todas” ou “menos” seria mais simpático. Mas depois seria pouco bonito da minha parte querer mais do que posso, querer todas as cores quando me basta apenas uma. Mas eu não quero todas. Só queria preto (eu sei, preto nem sequer é uma cor, mas eu queria na mesma) ou azul. E agora dizem-me que sou insatisfeita que só quero o que não posso ter. Posso escrever. O que é que eu quero mais? Que raio de pergunta, eu quero escolher a cor. Mas podes escolher! Ai posso? Podes. Preto? Ai…Pronto azul. Mau. Ok Ok. Cinzento. Vá lá…não consegues ser um bocadinho mais criativa? Há muitas cores, há tantas…e passas a vida a queixar-te das dualidades obtusas que deixam o mundo inteiro de fora. Que deixam o dentro, de fora. Preto ou branco. Certo ou errado. Isto ou aquilo. VERDE. Escrevo a verde. Vais-me reconhecer assim? Vou. Se escreveres a verde eu vou-te reconhecer. Mesmo no meio de tantas linhas, tantas palavras, tantas…sim. Verde. Podes começar, a verde. Posso-me preparar primeiro? Tenho que me descobrir verde, tenho que saber primeiro o que é sentir verde, falar verde, ser verde, para que seja verde o post que me pedes. Está bem. Vai então. E volta. Verde. Encontramo-nos daqui a….não importa. Sabes que volto. E como é que…vais saber? Vais saber. Não te esqueças. O meu nome, a verde, entre taparueres e ondepudwheres, em variações infinitas de silencio e cor. Até já.




terça-feira, dezembro 14, 2010

D. Constância

D. Constância viva feliz e tranquila, na casa ao lado da casa onde nascera, há 56 anos atrás.

Usava e abusava das saias pelo joelho - se gostava de um modelo, comprava os que houvesse de cores diferentes. Ou iguais, se gostava mesmo-mesmo. E não era só com as saias, era também com os casacos, camisas e sapatos.

Todos os dias saía de casa as 7h28 da manhã. Passava pela pastelaria e dizia "Bom Dia", sem ter que fazer nenhum pedido. Um saco com 2 pãezinhos integrais lhe era estendido, ao mesmo tempo que um café curto em chávena fria. 2 pãezinhos integrais, iguais ao outro que tinha tomado esta manhã ao pequeno-almoço, levado no dia anterior - um para o lanche do próprio dia, um para o pequeno-almoço do dia seguinte. O do lanche com fiambre, o do pequeno-almoço com queijo.

D. Constância fazia dos hábitos e rotinas a sua personalidade. Cortava a margarina sempre a direito, barrava a manteiga sempre do mesmo lado. Antes de sair de casa, a volta era sempre a mesma: entrar no quarto e ver se a janela estava fechada, passar na cozinha e ver se havia louça suja fora do lava-loiças, passar na sala e ver se tinha desligado a televisão, apanhar as chaves e sair. Em mais de 50 anos não se lembrava da última vez que tinha fechado a janela do quarto, arrumado loiça ou desligado algo na sala nesta volta antes de sair. Mas continuava a fazê-la, pelo sim pelo não, porque era assim que saía de casa.

Tinha outras manias, arrumava os livros por ordem de alturas, guardava todas as caixas e caixinhas que lhe vinham parar às mãos. Para o caso de um dia precisar delas, e tinha um armazém de caixas vazias, que não eram precisas, debaixo da cama.

Adormecia sempre na mesma posição e acordava sempre da mesma maneira.

Habituou-se aos mesmos caminhos, aos dias repetidos, às frases iguais. E habituou-se também às mesmas palavras, as mesmas terminologias - reduziu o seu mundo de propósito e reduziu o seu pensamento na consequência.

Vivia tranquila, D. Constância, mas houve um dia que na sua cabeça se começou a desenvolver uma terrível patologia. Alzheimer, mal degenerativo de consequências nefastas. Padrões repetitivos, perdas de memória... mas D. Constância não deu por isso, nem ninguém das suas lides. Morreu com a doença por diagnosticar, nos dias iguais, frases habituais e caminhos repetidos.

domingo, dezembro 12, 2010

das urbes que urgem

Não sei se já fez um ano desde que moro em alcântara.

- Bom dia dona Teresa, as minhas revistas já chegaram?
- Chegou esta Sofia, as outras ainda não sairam.

Não foi com bons olhos que vi a mudança de Campo de Ourique para Alcântara. Estava acostumada aos velhos no jardim e aos cães que já conhecia pelo nome.

- Bom dia sr. Fernando
- Boa tarde Sofia, então e um guarda-chuva? Olha que isto vai começar a chover bem.

Mas os domingos em alcântara são um bocadinho diferentes dos domingos em campo de ourique. Têm outro cheiro e os ruídos de uma ponte ao fundo, com carros e comboios mais espaçados do que nos dias de semana.

- Bom dia Rui
- Olá Sofia, então o queixo está melhor? Sandes de ovo e café, toma. Vais-te sentar?

Não sei se já fez um ano desde que moro em alcântara. Mas conheço os nomes e as caras. Toda a gente me trata por tu. E pelo nome. Não preciso dizer o que quero no café. E na papelaria encomendam um exemplar de 3 revistas diferentes só para mim.

- Olá Sofia, já tratou do problema do gás?
- Já sim dona Maria, era do esquentador.

Al-qantara, quer dizer ponte. E gosto das pontes entre pessoas, das ilhas que cada um de nós é (sim, com falta de concordância gramatical e tudo) e das conversas para tentar chegar a essas margens estreitas, inalcançáveis na realidade, agarradas nas ilusões.

Já fiz arder as pontes que estabeleci, à procura que pelo menos esse fogo me iluminasse o caminho que destruí. Mas al-qantara não arde, deixa-se envolver num nevoeiro só seu enquanto fica a olhar para um abraço prometido de uma estátua que não dá nem um passo para se aproximar.

Não sei se já fez um ano, desde que moro em Alcântara. E há sempre Londres, Paris e New York com promessas de outros domingos com outros cheiros, cores e ruídos.

Hoje não. Hoje fico aqui.

sexta-feira, dezembro 10, 2010

tales from real life

Abre o congelador.
Tira uma caixa de petit gatoux.
Tira lá de dentro os dois que sobram, põe num prato, enfia no microondas.

Abre o lixo, retira a caixa que lá pôs mesmo agora.
Vê quanto tempo tem que por no microondas.
Mete esse tempo.

Micro pára.
Não estão feitos, mete mais um pouco. Micro pára. Não estão feitos, mete mais um bocado. Micro pára. Acha que estão, agarra numa colher, começa a comer.

Agora não sabe se há-de bater com a cabeça nas paredes por nem conseguir aquecer petit gatoux no microondas ou se há-de congratular-se a si própria por ter "criado" um novo quente-e-frio.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

a briga do costume

- Não é na racionalidade que encontras as verdades. Essa é que é a grande falácia do nosso tempo - a sociedade valoriza a objectividade, a racionalidade, o equilíbrio... já viste como andamos todos tão à procura do equilíbrio para "estarmos bem"?

Sentiu o chão fugir-lhe dos pés quando reconheceu o seu perfil. Deixou de haver tempo, espaço, paredes, terra, ar. Fora dos lugares, tornou-se uma trepadeira fragilizada por alguma tormenta, em desespero para não se deixar cair, a usar de toda a sua força daninha para sobreviver. Sem fôlego, sem respiração, parado sem uma pausa para descansar dessa quietude.

- Ah, o realismo, o racionalismo, o figurativismo até!.. o raciocínio lógico-dedutivo, sabes qual é o mal? É que quando as coisas entram na nossa lógica, a gente acha que são verdade. Encaixamos os "factos" na "lógica", para lhe conferir significados que compreendemos. E depois diz-se, "isto faz-me sentido". Como se a verdade tivesse que fazer sentido na nossa lógica. Ora, a haver uma "verdade" qualquer, existe fora de nós, existe fora das nossas convenções - é isso que criamos, convenções, e depois assumimos que são verdade. Mas são inventadas, como qualquer história de embalar ou lenda, para justificar algo e torná-lo compreensível para nós. Não te parece arrogante, que só aquilo que entra na nossa lógica possa ser verdade?

Sabia de cor os seus movimentos há já algum tempo. Conhecia a forma como afastava o cabelo, o trejeito das ondas que ele fazia quando ela soltava risos ou inclinava a cabeça naquele seu jeito típico. Conhecia-lhe a dança das mãos, o modo como davam um terço de volta e voltavam à posição inicial, a forma como o indicador e o dedo do meio se agitavam ligeiramente em assuntos mais problemáticos, o encosto do polegar ao anel do outro dedo em momentos mais distraídos. Sentia-se implodir por dentro cada vez que ela passava os 4 dedos pela testa, por dentro do cabelo, afastando-o da cara e abrindo mais os olhos a seguir. Sentia-se explodir por fora quando esses dois olhos o fitavam de frente. Que falta de noção, criticava-se, sempre que se apanhava a tremelicar por isso. Que estupidez, criticava-se, que agora com esta idade é que me havia de dar para isto. Que tenho que me controlar, convencia-se, sem conseguir desviar o olhar.

- Portanto, tenho a dizer-te, não é pelo raciocínio que vamos encontrar verdades. Não é. As verdades humanas, pelo menos. As científicas, vá, vamos descobrindo umas coisas na forma de como as coisas funcionam, mas também nunca será pelo método científico que descobriremos o porquê das coisas funcionarem. Isso pertence a outro reino, um sítio onde te garanto que não vai ser pela lógica que se entra. Por isso é que os sofistas foram o que foram, o poder argumentativo mais importante que a verdade intrínseca. A lógica, apesar de tudo, não deixa de ser um sofismo. Menos simplista, mas um sofismo. A gente anda a procurar a razão com a ferramenta errada - a razão. Já viste a ironia?

Queria tocar-lhe. Ás vezes acontecia, casualmente. Um encosto de ombro, um toque rápido na mão, um beijinho de "olá tudo bem". E ele ficava com aquele arrepio na pele, com aquela coisa agarrada à garganta, a tentar manter a casualidade da coisa, a tentar aguentar o impacto do terramoto interno que lhe varria o estomago, o baixo ventre e as virilhas. Queria agarrá-la com as duas mãos, segurá-la, abraçá-la, senti-la. Queria agarrar também todos esses impulsos, manietá-los, amordaçá-los, impedir de denunciar as suas vontades tão óbvias quanto despropositadas.

- E, se não é pela razão, então tem que ser pela emoção. Sabes que pela emoção também se aprende. Afinal de contas, nós somos seres sensitivos. Animais biológicos, condicionados pelos limites fisicos e hormonais da nossa percepção. Mas se calhar não é bem limitados, é mais libertos pelos limites fisicos e hormonais dos nossos sentidos. São eles que são a porta de entrada, mas as emoções, essas nascem cá de dentro, da reacção ao estímulo. Se nos conseguirmos libertar da raciocinalidade para encontrar uma forma mais "natural" de sentir, então estamos mais perto de alguma verdade. Mas não, continuamos a querer as razões, as causas, as análises, os equilibrios. Isso é que nos lixa tudo, isso é que nos afasta de "percebermos" as coisas. "Percebermos", assim, entre aspas, porque não é perceber-perceber com a cabeça, é perceber-perceber com os sentimentos. Percebes?

Ela olhou na direcção dele. E sorriu-lhe, inconsequente. E ele, desastrado, fez um esgar de volta a pensar que tinha que lá ir, que teria que lhe falar e não sabia de quê, não sabia como. Queria agarrá-la mas agora só queria fugir-lhe e tinha que lá ir dizer olá. Casualmente. E ela a falar com outros, e ela a sorrir-lhe, e as mãos dela na dança que ele lhe sabia, e o cabelo dela com os trejeitos que ele reconhecia e o cheiro dela, que se lhe iria colar ao nariz, aos olhos, à garganta, à noite e ao sono que não haveria de vir. Mas não podia dar parte fraca, não podia nunca denunciar-se, não iria nunca denunciar-se. Como é que faziam as pessoas para se falarem? Ah, já se lembrou. Coragem, são 30 segundos, 30 segundos não são nada, 30 segundos são mais do que 10 eternidades juntas.

- A gente tem que se deixar ir. O mal é que não deixamos. Sempre a planear. Sempre a analisar. Sempre a querer saber porquê e a dar justificações para o que sentimos. Tu, vai por mim, quando tiveres a rebentar nas mãos uma emoção qualquer muito forte, deixa-a rebentar toda até te arrancar as unhas. Seja boa ou má. Como diz o nandinho, sentir tudo de todas as maneiras. Vais ver que aí vais ter mais noção das coisas como elas são. Mesmo quando não fizerem sentido. Ou especialmente quando não fizerem sentido. Nunca fazem mesmo.

- É... é isso, é... quer dizer, não sei... equilíbrio é bom, ajuda um gajo a andar mais... equilibrado. epah, espera aí, vou falar a uma amiga, já volto.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Olá, teste, um dois, um, dois, som!!

Caros leitores do excelentíssimo blog Tapar Where,

Depois de várias investidas, disfarçadas de dicas e inuendos, a autora do blog - Exma. Sr.ª Taparuere - encurralada que se sentiu decidiu-se finalmente pelo suicídio literário e "convidou-me" a botar faladura no seu blog!!
A princípio fui invadida por uma felicidade imensa que, 5 segundos passados, foi substituída pela inigualável e sempre inoportuna sensação de pânico!
Para quem não sabe, esta sensação de pânico não escolhe idades, raças ou sexos atacando sem piedade todos aqueles que são colocados sob as encadeantes e assustadoras luzes da ribalta - ainda que neste caso seja somente para dizer disparates num blog...
Desengane-se quem pensa que se está, neste caso, perante uma qualquer sensação de pânico tal como aquela que dá a um traseunte que, absorvido pelos seus pensamentos, passa por um portão de ferro de onde salta um rotweiler que tenta - felizmente sem sucesso! - atacar quem passa; neste caso, o traseunte experiencia apenas uma descarga de adrelina fulminante que pode, na pior das hipóteses, dar origem a um gritinho histérico, que será tanto mais embaraçoso quanto maior for o número de pessoas presentes no local onde se dá o acontecimento!
Não! A sensação de pânico de que vos falo constitui a modalidade mais agressiva de todas as sensações de pânico porque contém em si um encadear de sintomas, maioritariamente fisícos que levam sempre e invariávelmente ao mesmo triste desfecho!
Começa por se sentir uma vontade de rir incontrolável que é imediatamente seguida por suores frios e quentes que atacam de forma intermitente todos os poros do corpo, denotando-se uma maior incidência na zona lombar e nas palmas das mãos. Tais sintomas, já de si desagradáveis, são acompanhados de um tremor incontrolável que faz toldar o raciocínio da mente mais preparada! O fenómeno continua o seu percurso, desta leva passando para o interior do corpo atacado - nomeadamente para o seu intestino grosso - onde atinge o seu climax no já costumeiro mas mesmo assim inadvertido cocó nervoso!
Na minha primeira entrada no Tapar Where não podia deixar de partilhar aquilo que me vai na alma (ou algures no interior do meu corpo)!
Hostilidades abertas, aqui vos deixo com a promessa de que mais disparates virão...

Cumprimentos a todos


As coisas boas vêm aos pares

Novidades fresquinhas neste blog, duas colaborações novas para trazerem novos universos, histórias e divagações.

Não sei como vão assinar nem o que vão querer ser aqui, suponho que o tempo e a participação ajude a definir. Assim, sem regras, sem limites, sem objectivos, uma nova fase no blog, muitas novas frases no blog, meio experimental, meio indefinida, que cada sentimento perdido ou encontrado no vento lhe ponha e lhe traga o que tiver guardado nos bolsos e apetecer partilhar, da forma como quiser.

:)

domingo, dezembro 05, 2010

O assalto

Antes, guardava todas as certezas e as respostas do mundo, devidamente etiquetadas e separadas em caixinhas de cores diferentes. Depois, bom, depois assaltaram-lhe a casa e levaram-lhe muitas coisas que sempre lhe tinham existido na vida e destruiram outras na passagem. A gaveta das respostas foi uma: abriram-na à força, remexeram-lhe as caixinhas, atiraram-nas ao chão e partiram-se, misturaram-se, desfizeram-se em pedaços, resquícios, restos, despojos quebrados.

Quando chegou entrou em pânico. Levaram-lhe as certezas, porque podiam ser vendidas no mercado negro, levaram-lhe as intensidades e as gargalhadas - mas essas, mais tarde, mas só mais tarde, ela viria a descobrir que podiam ser substituídas por outras parecidas, quase iguais e até novas e diferentes - e arruinaram-lhe as respostas.

Quando viu os pedaços quebrados pelo chão, tentou reconstruí-las. Refazê-las. colá-las, limpá-las, arrumá-las de novo. Pacientemente, juntando pedaços soltos. Não conseguiu, e já passou tanto tempo. Horas sem respostas, dias sem respostas, semanas sem respostas, meses cheios de perguntas apenas. Não conseguiu e em vez de respostas arrumadas em caixinhas guarda agora incoerências dispersas nas gavetas. Mas continua, todos os dias, a dedicar umas horas solitárias para ver se as consegue arranjar.

segunda-feira, novembro 29, 2010

A suspensão da vertigem. Como se num qualquer lugar ficassem guardadas as palavras por dizer, lado a lado com os sonhos por concretizar.Seria o sotão de um casarão imenso - as janelas do andar de cima fechadas e as escadas testemunhas.

"Quem consegue subir mais degraus? Quem consegue tocar na porta-que-nunca-se-abre-e-tem-um-monstro-e-espíritos-e-ainda-uma-bruxa-do-outro-lado?"

A porta quase tocada, última barreira entre o mundo e uma outra coisa habitada por seres que nunca ninguém viu mas que se ouvem nas noites em que cada estrela é uma pergunta a morar na mesma cabeça.

Quase toca, e foge.

Do lado de dentro a luz só entra pela fresta debaixo da porta, do lado de dentro há "ses" e "talvezes" e "deveria" que vêem as partículas de pó levantadas pelos passos apressados, pelos passos medricas mais corajosos.

Os fantasmas guardados, como se só existissem para brincadeiras de crianças antes de serem chamadas para o lanche, pelo menos até ao próximo anoitecer.

segunda-feira, novembro 22, 2010

a vida e a morte de D. Prudência

D. Prudência tinha idade indefinida e gostava de passar despercebida. Os seus passos eram sempre silenciosos e os seus movimentos repletos de tranquilidade.
D. Prudência gostava de vestir sorrisos apaziguadores e calças a rondar os beiges.
Era dada a cores neutras e pouco dada a dores intensas. Nunca tinha chorado em soluços, não sabia quando tinha dado a última gargalhada. Nem a primeira.

As pessoas no bairro simpatizavam com D. Prudência, isto é, cumprimentavam-na sempre que a viam. O que não era sempre que ela estava, às vezes passavam por ela sem ver, mas D. Prudência não levava a mal e dizia "bom dia" ou "boa tarde" na mesma. Falava baixinho porém e ficava na mesma sem resposta. Se o seu interlocutor se apercebia, ficava aflito, "D. Prudência, bom dia, nem a via, desculpe lá!" e logo D. Prudência corava com tanto alarido. E isto porque as pessoas simpatizavam verdadeiramente com ela, e ela simpatizava verdadeiramente com todos os equilíbrios da vida. "Que é isso que é importante, o equilíbrio" dizia baixinho a quem a conseguia ouvir.

D. Prudência, em toda a sua vida, só teve um azar, o mesmo que foi responsável pela sua partida deste mundo. Apaixonou-se dona Prudência, numa tarde em que o sol se punha em tons de vermelho e lhe apresentaram um homenzinho de gabardine igual à de outros milhões. Verdade seja dita, foi paixão à primeira vista que durou um serão inteiro, entre conversas, brincadeiras e sorrisinhos. Durou precisamente até à altura em que D. Prudência percebeu e se apercebeu de que não ia conseguir manter o equilíbrio, de que não queria manter o equilíbrio, que só queria perder-se num abraço, encontrar a sua pele naquela pele e enterrar os seus lábios naqueles lábios. Deixar-se sentir tudo de todas as maneiras.

Foi demais para D. Prudência, que logo ali esticou o pernil, quando o coração lhe explodiu dentro do peito, sem conseguir aguentar a intensidade do momento.

Enterraram-na num caixão de madeira, sem artifícios nem rebites bonitinhos, num canto ao lado do canto mais sossegado do cemitério. Raramente tem visitas, nem sempre as pessoas se lembram de lá ir. Quando se lembram, no entanto, ficam na dúvida se teria sido melhor D. Prudência nunca se ter apaixonado, ainda que isso a tenha matado.

sexta-feira, novembro 19, 2010

"querida, cheguei!"

supermodernidade, em vez de pós. Por causa das vertigens aceleradas no tempo, das velocidades incansáveis e das cidades que deixaram de dormir, por causa dos excessos. Tudo não chega, há mais além desse tudo, quero o que sobra de fora desse tudo. As cidades não dormem e tornaram-se sonâmbulas nas suas próprias esquinas, ilimitadas pelas possibilidades, dependentes dos seus não-lugares físicos.

E no entanto, no frenético excesso, os dias seguidos são espelhados, as semanas vizinhas idênticas, os meses fronteiriços praticamente iguais. Mas e os outros, mais afastados? 3 meses, e tudo muda. Dos anteriores 6? Não existe hoje nada. Nem vestígios, nem resquícios - uma ou outra memória meio desfocada que nem parece real. Ou se calhar é o hoje que não é real, ou se calhar foram duas existências paralelas, independentes, que nunca se cruzaram. Não pode ser, teve que haver continuidade obrigada pelo traço do tempo. É assim que a vida funciona, é assim que a lógica obriga. Teve que ser, teve que ser, teve que ser - se for dito muitas vezes pode ser que me acredite. Mas olho para tras e não vejo pontos de viragem. Estarão escondidos debaixo de algum tapete? Seja como for, é impossível um regresso.

Os regressos são sempre impossíveis, pela velocidade intransigente, o sentido é só um e é para ali, pára aí. E no entanto, todos os dias são espelhados, todos os dias são idênticos e todos os dias te sentes a regressar a casa. E anseias, em alguma parte do dia, esse momento em que chegas e anúncias a chegada, o regresso a casa, o retorno ao sítio de onde és, onde pertences. Mas os regressos são impossíveis. Será ilusão?

Só pode ser ilusão, pela vontade, pelo desejo de que seja um regresso. Como se se pertencesse a algum sítio. Daqui a 6 meses podes nem reconhecer a mesma casa, quando fores sair à noite e a encontrares pintada e arranjada de maneira diferente, com gestos diferentes, novo corte de cabelo e novas manias e palavras. Pode acontecer. Pode não acontecer. No entretanto, mantêm-se a ilusão, porque sabe bem.

Não me posso esquecer disto, que é ilusão, que os regressos não são possíveis... não me posso esquecer disto mas... está-me a saber bem.

quarta-feira, novembro 17, 2010

Sleep on needles

Ask me anything you like
I'll reveal everything
I will treasure the truth
You could know anything

I am but a fool to play unaware of things
If I'd treasured the truth
I would tell it to you
I'm coming down to tell you what I know
To say what's real, to let you know
Where I have been and how I had to

Sleep on needles
You'll believe you are hard
Sleep on needles
And hear only the truth

Am I likely to succeed with the way things are?
Judging by your smile
You are holding something back
I'm sleepless around midnight
There's a change in the wind
The remembrance of things you used to hold back
I come around each time your notes are high
To tear you down and drag you up
To let you know what's going on while I

Sleep on needles
You'll believe you are hard
Sleep on needles
And hear only the truth

http://www.youtube.com/watch?v=fGuijAGjlZU

quarta-feira, novembro 10, 2010

pára-doxo, pára.

20 mil horas submarinas. Que passam e trespassam, e conversas à solta num ambiente demasiado encharcado em tabaco e hálitos que comem de menos e bebem de mais.

E falas, e contas, as histórias dentro de outras histórias, do tipo que te disse que conhecia um tipo que era terra de ninguém no meio de toda a gente. Esse tipo - dizes - o segundo, um infeliz. Daqueles que tem a mania que não pertence a lado nenhum, que não se enquadra, que quer ser diferente e dá brilho aos símbolos do seu lado de fora.

Sabes - continuas - eu não percebo. È como se as pessoas estivessem à espera que houvesse mais, que houvesse algo mais e portanto não querem isto. Como se outro lugar fosse melhor, e não fossem as mesmas pessoas, as mesmas conversas repetidas, os mesmos olhares com os mesmos pedidos... Eu já tive em muito sítio, tu sabes - e nem sequer estás à espera de um sinal afirmativo da minha parte, pois não? - e posso-te dizer que no final do dia, é tudo mais ou menos a mesma coisa. Aqui ou em outro lado. E, vamos lá ver, se é isto que temos, não vale mais a pena agarrá-lo, que ficar à espera de outra coisa qualquer diferente que nunca vai existir? Que raio de insatisfação é essa? E depois, e depois as pessoas e aquela maniazinha de começarem todas as frases por "eu", sabes? E de fazer monólogos como se fossem diálogos, a reclamarem das vidas e das filosofias dos outros, como se só eles conseguissem suspeitar de um mundo novo, uma terra qualquer prometida, como se ouvissem um qualquer chamamento secreto... sei lá... Eu acho um desatino. Porque nem sequer se esforçam em fazer diferente ou em perceber. Não percebo - e fazes uma pausa, com o olhar preso num horizonte que se estende a 30 cm de distância. Eu não conseguia. Tenho que agarrar as coisas, tenho que pôr a mão na massa, tenho que fazer acontecer... percebes? Não fico à espera a queixar-me. Não anseio por uma terra prometida. É isto que temos. Eu não vou desistir, não posso.

Sorrio-te. Digo-te que sim, que as pessoas são assim. Que não estás mal, mas que remas contra a maré, que mais ninguém sabe disso, que guardas um segredo diferente do outro segredo do livro.

Suspiras. Não acredito em filosofias-cor-de-rosa, eu sei que estou sozinho nesta luta, dizes. E fazes aquele olhar, de quem acha que não é de lado nenhum, de quem acha que não pertence a lugar algum.

Quanto custa, deixar de acreditar(-te)?

domingo, novembro 07, 2010

bluuuuuuuurps.

duas da manhã e um céu desconhecido, apagado, escuro.


com tanto tempo de existência por aqui, estranha que seja desconhecido.


aquilo que se reconhece não tem só a ver com o tempo com que existe, tem a ver com aquilo que tu queres reconhecer como existente.


olha que não, segundo a filosofia budista, tudo o que fizeres durante 21 dias, se torna um hábito. segundo a praticidade oriental, o que se torna um hábito faz parte de ti. portanto, 21 dias chegam para te definirem.


ainda bem que eu nunca confiei nos budistas então. parecem sossegadinhos, mas nunca fiando.


os budistas não são questão de confiança!


achas tu.

quarta-feira, novembro 03, 2010

GPS

Desde o primeiro GPS que tive (que se chamava Gabriela Paulinha dos Santos) e que morreu nova (o Deus dos GPS's que a tenha, coitada) que efectivamente me tornei um pouco dependente do dito aparelho. Tanto em viagens compridas como em descobrir ruelas e ruínhas aconselhadas por alguém ou alguma publicação real ou virtual.

Dá-me mais jeito não ter que pensar. Vá. Acho que basicamente é isso, não ter que pensar, não ter que planear, não ter que procurar informação num sítio para o usar no outro sítio e guardá-la na memória durante esse espaço de tempo até que a sua utilidade expire de prazo. Pronto, dá-me mais jeito ser preguiçosa, no fundo.

Apesar de reconhecer a utilidade dos GPS's, acho que há com certeza muito espaço para evolução. Assim do estilo, um GPS-amigo, que faça conversa, jogue a jogos, introduza novos pedacinhos de conhecimento cultural / trivial e não me grite "vire à direita" como se mandasse em mim.

Assim, uma coisa mais social... "È aqui à direita pah", seguido de um "aqui, aqui, aqui!" e depois um "jááááá t'enganaste outra vez" parece-me que era um conjunto de frases que ouviria bastante.

se calhar não é assim grande ideia, não.

sexta-feira, outubro 29, 2010

meia-noite.
ela olha à sua volta e lembra-se de todas as vezes que ouviu que a maior parte das vezes, a felicidade existe mesmo ao nosso lado. ao estender da mão, ao alcance da mão, e não damos por ela.

sorri.

lembra-se de todas as vezes que ouviu que, felicidade é aquilo que encontras quando dás a volta ao mundo à procura dela mas é no regresso a casa que ela te espera.

bebeu mais um trago do vinho adocicado, de olhos presos no cenário em que vivia.

teve certezas.
os conformistas dizem muita merda. e decidiu-se em partir para ir à procura da felicidade. Não para a encontrar, mas para a construir em qualquer outro sítio que não este, que não ao alcance da sua mão.

domingo, outubro 24, 2010

faithless

Chuva. E um céu escuro e fechado tapava a saída do mundo. Pelo menos aquela única saída que sempre tinha sido considerada possível. Nestes dias ficava calada e tentava evitar as pessoas. Não era por mal, nem por bem, na verdade. Nem sempre se tem o domínio dos próprios gestos, nunca se tem o domínio dos próprios pensamentos. É só que, sem saída, não sabia para onde ir. Como se as pessoas tivessem sempre que estar a ir para algum lado, pensava. Mas estão, de facto... entre planos, metas e objectivos, à procura da conquista seguinte, que antecede a outra a seguir. E os falhanços pelo meio, que é bom errar e é no erro que se aprende... o erro tornou-se também um objectivo, olha que bem. E faz sentido, e é consensual.

O sentido. As lógicas. Os "factos". Chamam-se "factos" àquelas lógicas de argumentação que nos fazem sentido. Desde a religião que tudo tem um sentido. Assim, num céu sem saída, a única religião possível é a religião pagã. E sorria.

Era por isto que não gostava de estar com pessoas quando chovia na sua cabeça e um céu escuro e fechado lhe tapava a saída de um outro mundo que não aquele onde o sol brilhava, do lado de fora da sua janela.

sábado, outubro 23, 2010

...

Uma artista.
Não, uma bailarina.
Pode ser, as bailarinas não são artistas?
Não embirres comigo. Escreve.

"Era uma bailarina que mesmo fora de palcos andava em bicos de pés pela vida..."

Chega lá esse cigarro para lá. Porque é que tens que estar sempre a fumar quando escreves?
Sei lá. Para me concentrar. Deixa-me continuar.

"Tinha um sorriso do tamanho do mundo, um olhar vibrante, daqueles que vê um bocadinho mais fundo e com mais atenção do que os outros..."

Isso não diz nada sobre ela.
Claro que diz.
Não diz nada. E ela não tinha já deixado de dançar?
Voltou. Escreve tu agora.
Não quero, continua lá. E afasta o cigarro.

"Tinha deixado quase todas as suas raízes noutra terra e as que trouxe começavam agora a definhar, passado tanto tempo. Ainda assim, dançava, como último reduto seguro de uma essência que não estava certa de conhecer..."

Isso também não diz.
Claro que diz. Lê lá com atenção.
Tá bem, tanto faz. Continua.
Não sei para onde. Nem ela sabe. Queres ver?

"Às vezes perdia-se nos ritmos das músicas diferentes que encenava. Ou talvez não se perdesse, encontrava-se todos os dias na multiplicidade de gestos que desenhava no ar."


Ahahahaha! Isso foi porque se acabou o cigarro?
Não... a história é que vai a meio e precisa de tempo para acontecer, e eu preciso de tempo para a conhecer.
Estás a pensar no quê?
Não sei. Em que só digo asneiras.

segunda-feira, outubro 18, 2010

A gente habitua-se

A gente habitua-se, desde criança, a dizer "obrigado" e "se faz favor". A não gritar, a ser bem comportado, a dar beijinho ordeiramente depois de nos mandarem, mesmo sem conhecermos aquela cara de lado nenhum. A gente habitua-se, a cumprir as expectativas que nos depositam e que não escolhemos. A gente habitua-se a fazer letra redondinha e a decorar matérias que não percebemos na escola, sem saber para que servem.

A gente habitua-se à ideia de ter que escolher qualquer coisa "para ser" na vida, e escolhemos e continuamos a cumprir as expectativas da nota X no exame Y, do estágio A no sítio B. A gente habitua-se, a passar de estágio para estágio, a viver com menos de 1000 euros no bolso, a sonhar com um contrato, geração rasca, geração à rasca.

A gente habitua-se a estar fechado 10 horas por dia em sítios que não são as nossas casas, com pessoas que nos obrigaram a conhecer, a fazer tarefas que não escolhemos, a ver o sol e o vento passar do lado de fora da janela.

A gente habitua-se a perder o verde das árvores, a não sentir o cheiro de terra molhada, a ver o horizonte largo que acaba na vista do prédio da frente. No trabalho e em casa.

A gente habitua-se às relações que temos, aos amigos que temos, às desilusões que sofremos, "a vida é assim" dizemos, enquanto nos habituamos a que seja outra vez assim.

A gente habitua-se a sair do trabalho e a almoçar em pé e sozinho, no meio de estranhos que evitamos olhar nos olhos, que evitam olhar-nos nos olhos. E a gente habitua-se a sair do trabalho e a irmos para casa, comer qualquer coisa em frente à tv e a sentir o serão passar, para no dia seguinte acordar e espreitar mais uma fila de trânsito, mais uns atrasos, mais o sol a passar na janela.

A gente habitua-se a que o amor se gaste, a gente habitua-se a que as conversas acabem, a gente habitua-se aos tópicos práticos e funcionais e aos silêncios que já não traduzem o conforto e a cumplicidade entre duas pessoas. Significam outra coisa qualquer, mas a gente habitua-se a eles também.

A gente habitua-se à vida e a tudo o que não gostamos na vida. Para não lutarmos por coisas perdidas, porque olhamos à volta e vemos gente habituada, para não nos desgastarmos deixamos que a vida se gaste sem que a gente faça outra coisa nela senão habituarmo-nos.

Terá mesmo que ser assim?




(li um texto parecido com isto em algum sítio, não me lembro onde, não me lembro de quem, sei que não me sai da cabeça há uns dias e acabei por ir escrevendo, parecido, igual, diferente, não sei. não é cópia, não é plágio, também não é ideia original minha, confessadamente.)

terça-feira, outubro 12, 2010

"Your idea of me is fabricated with materials you have borrowed from other people and from yourself. What you think of me depends on what you think of yourself. Perhaps you create your idea of me out of materials you would like to eliminate from your idea of yourself. Perhaps your idea of me is a reflection of what other people think of you. Or perhaps what you think of me is simply what you think I think of you?"

(ou, o eu na construção do tu e vice-versa, ou, uma nota mental de mim para mim.)

segunda-feira, outubro 11, 2010

...

Chegou e trazia as mãos vazias dentro de uns bolsos cheios de nada. Olhou à sua volta e viu gente. Teve vergonha das suas mãos vazias, dos nadas que lhe rebentavam pelas costuras, das palavras ocas com que tentava traduzir os silêncios que a recheavam. Pensou que este não era o seu lugar, teve todas as certezas do mundo que este não era o seu lugar enquanto via à sua volta os movimentos seguros de quem não se sabe repleto de pequenas brisas perfumadas a efémero. Assim de fácil, assim de inexistente, assim de intocável.

Foi ficando, porque foi, por acaso, porque não tinha mais onde ir.

E foi enchendo os seus bolsos de outros nadas de outras pessoas, de outros silêncios e intraduções de outras gentes, de tantos vazios como o seu, cheios de vontade de dar o que não existe.

Aos poucos, quem sabe, isto lhe começa a fazer sentido.

quarta-feira, setembro 29, 2010

Artigo de auto-(des)ajuda

Os livros e artigos de auto-ajuda, auto-espiritualidade, auto-equilíbrio, auto-guias e auto-móveis vieram para ficar. Um verdadeiro sucesso de prateleiras, uma companhia exímia para a almofada cor-de-rosa debroada a renda branca.

Não quero ficar atrás nesta corrente milagrosa que tantas vidas e coraçõezinhos partidos salva. Quero e vou escrever o meu 1º artigo de auto-(des)ajuda. Sotaque de português do Brasil e apelos directos a um "você" para entrar na linguagem certa:


Você quer ser feliz?

A felicidade está ao alcance de qualquer pessoa.
Para ser feliz, você só precisa mentalizar-se que é feliz.
Olhe em sua volta e procure essa felicidade.
Olhe para todo o lado, mesmo para os sítios onde estão as coisas que lhe trazem a infelicidade.
Pode olhar para o sítio onde estão as contas para pagar ou para o saldo negativo do seu cartão. Olhe e sorria, você tem cartão e contas para pagar! Pertence aos 80% da classe média, sua trupe é a maior da sociedade! Você está integrado socialmente!

Olhe também no espelho para a sua cara envelhecida e não tenha medo de suas olheiras cada vez mais marcadas. Você não está ficando velha não, você está é arranjando forma de dizer "hoje não posso ir trabalhar, estou doente" sem que ninguém desconfie que não é verdade. Basta olhar sua cara.

Procure ver o lado bom das coisas... está certo que engordou um pouquinho nestes anos e que seu marido não pega mais em você, mas essa sua barriguinha pronunciada e esse seu pneu balançante demonstram o como você não passa fome nunca. Nem por 10 minutos. Quer maior felicidade do que não passar fome?

Pode parar para pensar no seu marido, está bem, ele não lhe toca há mais de 5 meses mas e daí você já não tem que seguir inventado dores de cabeça que não tem, né? Não mais mentiras dessas, afinal, libertou-se do grande peso da mentira e está mais no caminho de ser feliz!

E seus filhos, são mesmo uma desilusão? Mais uma vez, veja o lado positivo, você só está a conseguir dar-lhes a liberdade de escolha e de identidade que seus pais nunca deram para você, nem hoje em dia, quando ainda a tratam como uma criança.

Viu como é fácil?
Sua vida é feliz, você só tem que enxergar o lado certo!


*Texto escrito por taparuere, feliz desde 2009, palestrante para quem quer escutar desde 2010, sempre ofertando sua sabedoria gratuitamente em ruas, praças e becos.

sábado, setembro 25, 2010

terça-feira, setembro 21, 2010

Jacques Derrida On Love and Being

Para ver o filme, tem que ser no youtube.

Mas isto levanta-me outras questões e penso que há ainda outra hipótese que o senhor não considera. Uma mais egoísta e menos bonita, mas a parte de amarmos alguém por aquilo que esse alguém nos "dá". Não materialmente, mas ainda assim, nos "dá", desde a forma como nos faz sentir à evolução que em nós provoca quando tentamos ser para esse alguém também aquilo que ele precisa...

Ou então não, sei lá.

terça-feira, setembro 14, 2010

segunda-feira, setembro 13, 2010

Manual de instruções para aquisição e manuseamento de uma "ralação" amorosa

Antes de adquirir uma "ralação" amorosa, aconselha-se uma exaustiva pesquisa de mercado. Podem e devem ser utilizados vários conhecidos métodos: benchmarketing, recolha de informação directa e indirecta, comparação de opiniões diferentes, consulta de informações oficiais e não-oficiais, pesquisas on e off-line.

Após a escolha do material mais adequado às suas necessidades e competências, terá que proceder à aquisição do mesmo. Para o o conseguir será necessária uma preparação prévia.

Procure zonas de humidade em várias áreas do corpo, tal como debaixo dos braços e elimine-as. Use uma toalha limpa para a sua remoção e proceda cuidadosamente à troca de t-shirt ou camisa por uma nova. Em seguida, diminua a intensidade dos seus odores corporais. Para tal, pressione intensamente o botão situado na parte de cima do seu desodorizante em spray.

Aconselha-se ainda o uso de pastilhas de mentol em todo e qualquer caso, sendo esta uma medida de prevenção genérica sem contra-indicações conhecidas.

Seguidamente, deve proceder ao contacto com a sua futura nova "ralação". Procure o contacto visual, utilizando os seus dispositivos ópticos para se alinharem com os dispositivos ópticos alheios. Ambos os dispositivos devem encontrar-se alinhados, sem qualquer objecto exterior no meio. Precaução: o alinhamento dos dispositivos ópticos deve ser acompanhado por um levantamento cuidadoso das zonas externas dos cantos da boca. Em caso da boca permanecer totalmente imóvel neste passo, considere abortar o plano e recomeçar este manual a partir do seu início.

Se o alinhamento dos dispositivos ópticos, acompanhado pelo levantamento cuidadoso das zonas externas dos cantos da boca tiver sido bem sucedido, haverá a repetição do mesmo por 4 a 5 vezes. Os objectos encontram-se então alinhados e devidamente preparados para o passo seguinte.

Para o passo seguinte será necessária a utilização da energia oral e vocal. Implica uma preparação prévia do instrumento situado na zona interna do pescoço conhecido por "leve tossido". Deste movimento resulta a libertação de alguma expectoração aprisionada na zona interna do pescoço e de uma agradável clarificação do instrumento sonoro voz. Use este instrumento para dirigir algumas palavras sensatas à sua futura "ralação". Não abuse deste instrumento numa primeira fase.

Se tiver recebido um sinal sonoro recíproco, pode proceder para o passo seguinte.

Para o passo seguinte, comece por assegurar-se da sequidão das ferramentas mãos. Limpe-as adequadamente e discretamente na parte superior traseira das suas calças. Repita o movimento as vezes necessárias até ter a certeza de que não sobram humidades. Em seguida, utilize as suas ferramentas mãos para certificar-se do bom estado do material em apreciação. Manusei-o com cuidado: toques discretos na zona braço para começar. Toques superficiais e discretos são um bom começo, procedendo gradualmente a uma apreciação do estado do material mais intensiva.

Quanto mais intensiva se for tornando a apreciação do material, mais perto estará da aquisição da sua futura "ralação". Chegará por ventura o momento em que o material avançará na sua direcção procedendo ao sinal positivo conhecido pela junção de lábios em biquinho. Este movimento indica que pode pousar os seus próprios lábios nesse biquinho.

A partir daqui, o manuseamento da sua nova ralação amorosa é por sua conta e risco, não se responsabilizando este manual por qualquer defeitos de utilização posterior ou anterior.

Em seguida, passe à acção.

sábado, setembro 11, 2010

Disseste-me uma vez que tenho muito boa capacidade de analisar situações e que consigo compreender muito bem as pessoas. Disse-mo mais gente também, em várias maneiras e formas. Compreender as pessoas. Precisava agora de uma definição mais objectiva deste verbo e das suas origens. O que será de facto compreender?
Porque acho que ninguém se compreende totalmente. Ou sequer parcialmente. E no entanto há tentativas de tradução, as pessoas usam palavras, gestos, acções para se traduzirem, para se expressarem, para fazerem compreender o incompreensivel que elas não sabem que são. E não sei se de facto as pessoas se compreendem. Sei que se pensam, se re-definem, que se auto-impõem algumas coisas, que decidem outras, mas compreender-se mesmo... é possivel?

Os corpos são feitos de memórias e talvez de um bocadinho de futuro.

É poético e bonito, mas incompleto. Os corpos são feitos de memórias, de expectativas, de inseguranças e vontades, de músculos activos, de sangue e oxigénio, de normas sociais, impulsos biológicos, de células cujas formas só vimos desenhadas, sinapses químicas e fisicas e talvez, talvez, de alma. Os pensamentos e racíocinios abstractos começam na base física e quimica das nossas mentes que se dizem cinzentas e eu nunca vi um cérebro de ninguém e muito menos ver os pensamentos e desejos que dele nascem ou que ele origina, não sei porque processo. De neurónios e impulsos nervosos.

A linguagem - verbal e quinésica - construção social, feita de signos e significâncias, mensagem, entropia, ruído, codificação do incompreensível, descodificação em tentativa de compreensível.

Estás a ver?

Qual a compreensão possível disto?

É tão eficaz quanto tentar que uma flor e uma pedra se entendam. Ou seria mais fácil que uma flor e uma pedra se entendessem! Porque dá para perceber que sem água a flor fica com o caule amarelo e que com uma chuvada muito forte talvez a pedra seja afastada - talvez a pedra "se afaste". Como se todos os acontecimentos surgissem por vontades e acções que nem uma pedra nem uma flor têm, mas as pessoas têm, todos os dias e isso só dificulta a tentativa de traduzir aquilo que elas nem sabem o que é, o que são.

Qual é a possibilidade de uma pessoa perceber outra?
E portanto, qual a possibilidade de duas pessoas se perceberem??

- vou ali ter um grande ataque de riso, já volto.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Nem sempre sei a importância relativa que as coisas devem ter na minha vida. Sei sempre a importância absoluta que têm.

É fácil gozar com frases que começam com "um sorriso..." e acabam em reticências. Mas é tão fácil gozar com elas quanto é fácil olhar em volta de uma mesa quadrada onde está mais gente do que as gentes que deviam caber e sentir-se em paz.

Durante toda a minha vida tive a sorte - ou o azar! - de sentir que tinha vivido um bocadinho mais do que as pessoas que me rodeavam. e não foi pouco, e não é pouco, diga-se.
Até ter tido o azar - ou a sorte, tanto a sorte..! - de sentir que vivi mais diferente do que outras pessoas me mostram as vidas delas. E ter pessoas assim na nossa vida é aumentar o nosso mundo de uma forma exponencialmente potencial.

Olhando para cada uma de vocês - desculpem lá pah - é ver as diferenças que vos unem. E são tantas! Em personalidades tão fortes há duas marcas: 1ª - como é que vocês se aguentam??? 2ª - como é que eu me vou aguentado num "fazer mais ou menos parte?"

seja lá como for, obrigado por enriquecerem a minha vida. Durante 3 anos, claramente, e espero que mais uns 30, pode ser? Ajuda-me a ter os pés assentes na terra. Ainda que vocês me mostrem que a terra onde assento os pés não é nem nunca foi a única terra que existe.



(claro, estou a tentar não ser melodramática)

quarta-feira, setembro 08, 2010

Can you hear it Vicki? I want to say. It ‘s not
words, it’s nothing so coherent as words. It’s
all of us, hoarse with calling, straining in the
darkness to hear something we recognize as
our names.

Cate Kennedy from the story A Pitch Too High for the Human Ear

terça-feira, setembro 07, 2010

Agarra-te ao ar, crava-lhe as unhas, faz do vento tua âncora. Nunca precisaste de rede, nunca tiveste apoio, que imobilidade é esta que agora te amordaça as mãos?

Pensas que antes houve um tempo em que sabias, mas houve-o de facto? Recordas um passado tão longíquo que quase parece outra vida paralela, talvez um filme que tivesses visto há tanto tanto tempo que os pormenores soam desfocados, uma altura de acções... mas e respostas?
havia-as de facto?

Talvez sempre tenha sido assim. Talvez sempre tenha sido nas incertezas que os movimentos se desenharam em redor de pouco mais do que vontades ancoradas no vento. O que tinhas então que agora perdeste? Ou que foi que ganhaste agora que tanto temes perder?

Em alturas de maior lucidez, um sorriso.
Nada disto importa.
Nem as tuas respostas
nem a falta delas
nem o que decides fazer
nem o que não fazes
nem a tua vida
nem nenhum segredo sussurrado
nem nenhuma conversa inacabada
nem nenhum gesto tocado

Como pôde ser? (Foi como foi, deslarga, deslarga, deslarga).

domingo, agosto 29, 2010

...

A melhor canção do mundo soa de dentro das garrafas de vinho vazias. Os cigarros são fumados lentamente, como se deles pudessemos inalar e guardar cá dentro qualquer pedacinho de felicidade. As palavras pretendem traduzir-se em gestos, como se a linguagem da alma perdesse assim menos dos seus significados e das suas significâncias, as distâncias, e as distâncias que se alargam mais e mais que já nem o corpo sabe o que a alma quis sussurrar. Imprecisos e no entanto decididos, os movimentos, só interessa parecer, na decisão, em todas as seguranças. As inseguranças são meninas de tranças que guardam esperanças que a realidade que vêem seja diferente daquilo que lhes parece. Ou que mude de repente sem aviso. De olhos grandes e esbugalhados, expectantes e tristes, cheios de qualquer coisa que se poderia tocar com as pontas dos dedos para sentir a matéria de que é feito. Mas ninguém se atreve. Já não há nada sagrado hoje em dia e ainda assim ninguém se atreve a tentar tocar com as pontas dos dedos na imatéria de que se compõem as emoções. As primas afastadas dos sentimentos. Esses seguram-se e agarram-se até se lhes cravam as unhas para os apertar, até fazer sangue, neles e nos dedos, da força que se faz. desses toda a gente conhece a consistência, tão volátil, tão... inconsistente.

"dos-sonhos" e do resto (ou, conversas sobre outras coisas ao fim-de-semana)

- Deixa-me contar-te os meus sonhos...

-... E nem sabes o que é difícil quando se quer realmente ter alguma coisa sólida e segura, que dure uma vida inteira!

- Deixa-me pegar-te na mão e ficar apenas a sentir os teus dedos nos meus...

- ... Porque hoje em dia, parece que as pessoas já nem sequer estão para isso. Ou não querem ou deixaram de acreditar que é possível, não sei!

- Deixa-me brincar com a ponta dos teus cabelos e fazer rolinhos enquanto os cheiro sem que te apercebas...

- E as coisas acabam ao mínimo problema, sem esforço, as pessoas desistem! Eu quero uma construção, alicercada e com raízes, com problemas e a conseguir lidar com eles. Assim é que se constroem as coisas, com seriedade!

- Deixa-me pousar o mão no teu ombro e ficar na quietude de um momento fora do tempo só por sentir o calor da tua pele na minha mão...

- Não percebo isto, a sério que não. Parece que já ninguém quer mesmo nada sério. Eu quero! Quero apaixonar-me e poder viver uma coisa séria, com uma boa história de amor e que dure uma vida inteira. Tu não queres?

- Quero o meu mundo feito em ti, encontrar-me e perder-me no teu corpo, conhecer as tuas linhas e os teus centímetros, saber-te de cor.

- Vês? Já ninguém quer nada sério e a sério. Por isso é que as coisas também não resultam, ninguém se esforça para construir uma história que dure, nem logo no começo nem depois... Desculpa, disseste alguma coisa?

- Nada. Não disse nada.

sexta-feira, agosto 27, 2010

pensamentos soltos

Às vezes as pessoas metem na cabeça que têm que comprar um carro, ficam obcecadas com a ideia de comprar um carro, planeiam, pesquisam, idealizam, escolhem qual o carro que vão comprar e não se lembram de lembrar que ainda não têm carta.

quarta-feira, agosto 25, 2010

involução

23h45.

3 "miúdas" meio graúdas. Bebemos vinho de (re)nome. Sabemos as gafes que se deram no trabalho - o que não significa que se evitem todas, mas significa que já sabemos quando as demos - à posteriori, redundantemente, claro!

Encomendamos (e pagamos) sushi do bom. E entretemo-nos em conversas daquelas que trazem fios agarrados e tentam deslindar conceitos que não existem, como a verdade última por detrás das verdades aparentes.

Efectivamente, o mundo (o nosso mundo) evolui. Anda, para um lado qualquer, acresce factores e factos e considerações. E daqueles inesperados.

A luta (interior) é mais ou menos a mesma (acho, pelas histórias... mas elas também são condicionadas pela perspectiva em que no momento são contadas, ainda que sejam as mesmas).

Isto é um dado adquirido para quem está "aqui" mas é uma inovação (historicamente/sociologicamente escrevendo - ou falando).

Bolas, lá estou eu outra vez com os parentesis e as divagações que não ajudam em nada mas que por alguma razão considero importante. E não vou tentar descobrir neste texto porque é que considero importante, que é para me conter.

Ou seja... há aqui um bom insight que eu sei qual é mas não me apetece continuar a escreve-lo. implica outro género de amadurecimentos, e nem toda a fruta madura é a melhor. a gente sabe o que acontece à fruta madura, n sabemos? pois.