terça-feira, dezembro 12, 2017

Serviço público de Natal - que livro oferecer?

"Ah e tal, tenho que dar uma prenda de Natal a ______ e acho que um livro era uma boa prenda... só que não leio o suficiente para saber de um bom livro, se calhar não é boa ideia..." - É boa ideia sim senhora! Além de tu pareceres interessante, ainda dás a possibilidade a alguém de se tornar interessante! E não temas a escolha, a amiga Sú dá uma ajuda. Ora vamos lá, bons livros que andam ai e para quem:

 - ROSA MONTERO, A CARNE - Um livro que todas as mulheres acima dos 50 anos deviam ler. Não tem nada que saber, é mulher? Tem mais de 50 anos? Oferece-lhe este livro. Já agora, tu és mulher, com mais de 50 anos e não recebeste este livro no Natal? Vai comprá-lo.

 - PAUL AUSTER, 4321 - um livro para aquele tipo (ou tipa) que é cheio de curiosidade intelectual. Que gosta de pensar e puxar pela cabeça, que nunca pergunta que horas são mas que te pergunta o que andas a fazer na vida e quem queres ser.

 - MIGUEL REAL, O ÚLTIMO EUROPEU 2284 - um livro para aquele gaiato ou gaiata, a partir dos 15 / 16, desde que sejam "uma granda cabeça". Também é óptimo para aquele amigo ou amiga que está sempre a fazer prognósticos acerca da ditadura para onde estamos a caminhar. - RITA FERRO, ÉS MEU - um livro muito curioso, que a recomendação é ambígua. Serve para aquela mulher melodramática, que vive tudo intensamente mas serve também e muito bem para aquele homem que nunca acerta com o que a mulher quer.

 - PATRÍCIA REIS - A CONSTRUÇÃO DO VAZIO - indicado para aquela pessoa que lê bastante e gosta realmente de ler. Aquela pessoa que tem autores de eleição (especialmente se forem autores portugueses), aquela pessoa que gosta mesmo de um bom livro e tens medo de lhe oferecer um porque se calhar já o tem. Tem é que ter mais de de 23 anos, ok? É um livro que exige uma certa maturidade emocional e mesmo assim dói-nos um bocado, ao princípio. Até podia ser para mim mas eu já o li, aceito outros dela no entanto.

 - YUVAL NOAH HARARI, HOMO DEUS - para aquela pessoa que está sempre interessada em perceber o mundo e a vida, tudo o que nos rodeia e os factos e dados sobre isso. Aquela que te alerta sempre para uma coisa curiosa que ainda não tinhas pensado nisso.

 - COLSON WHITEHEAD, A ESTRADA SUBTERRÂNEA - para aquela pessoa que gosta de romances históricos ou de aventura, não mete reis e rainhas mas é um dois em um.

 - ISABELA FIGUEIREDO, A GORDA - para aquelas meninas-mulheres que são ou querem ser verdadeiramente livres, descomplexadas e donas da sua vida. É um livro muita bom, que mostra que a vida não tem que ser o plano dos outros.

 E, se até és uma pessoa que leu coisas boas este ano que passou, que livro recomendarias para quem?

PS - Serviço Público de Natal - done.

quarta-feira, junho 21, 2017

reflexões sobre as reações a Pedrógão Grande

As primeiras notícias sobre Pedrógão traziam já a incompreensibilidade do número de mortos e os dedos indicadores de meio mundo erguiam-se mais ou menos ao acaso. Nas primeiras horas foram contra os criminosos do fogo posto, depois contra os bombeiros, depois contra a proteção civil. Pelo menos foi assim que a minha timeline de facebook se organizou. As horas seguintes trouxeram números a aumentar, na mesma estrada, e o medo de que chegando a mais aldeias e casas dispersas poderiam aumentar ainda mais. Trouxeram também algumas respostas, que não foi fogo posto, que os bombeiros estão articulados e vêm do país inteiro e arredores, que a proteção civil fez tudo direitinho e continua a fazer. O presidente, o segundo do governo a chegar ao posto de comando, trouxe calma ao secretário de estado que já lá estava, ajudou com certeza a organizar, falou até ao telefone com pessoas que se recusavam a sair das suas casas. Ao mesmo tempo havia já quem lhe apontava o dedo, os abracinhos não chegam Sr. Presidente. Agora, finalmente, reuniu-se mais ou menos consenso sobre para onde apontar os indicadores. São os eucaliptos, é a falta de limpeza das matas, é o governo que não aplica bem a lei, é o governo anterior, é este. É tudo, é qualquer coisa, é o pânico e o desnorteio. Somos deuses, não nos podemos permitir que a culpa morra solteira porque tem que haver culpa, tem que haver coisas que se possam fazer melhor para garantir que nunca mais, nunca mais, nunca mais, algo de semelhantes contornos possa acontecer neste país. É a humanidade a evoluir, é Portugal a evoluir. As imagens, os cenários, o que se viu e ouviu, tudo coisas que vão muito para além daquilo que hoje em dia, o homem civilizado tem a capacidade de aguentar. Um horror mais próximo de um teatro de guerra do que de um país de primeiro mundo. Vem daí a urgência em apontar os dedos, em encontrar culpados, em criar uma sensação - falsa ou real - de que jamais algo semelhante se possa repetir. Ninguém, português ou residente em portugal, deveria sequer pensar naquele horror, quanto mais vivê-lo, quanto mais morrer-se-lhe assim. A tentativa de impedir que tal volte a acontecer não está errada, claro. O apontar de dedo, ligeiro e pronto, é pura reação de pânico e horror. E é assim que um país evoluiu, melhora, se torna mais eficaz. No entanto, o raciocínio por detrás que é feito tem na sua semente um control que não sei se é real. Causas naturais ou humanas, tanto faz. O governo, o país, nós, nós temos o poder de controlar tudo, de impedir tudo, de conseguir tudo, desde que aloquemos os recursos, a atenção e os dedos em riste para os problemas. Nós somos os novos deuses, que não sofremos flagelos. Cometemos erros que se tornam desastres, não existem desastres em si. Só a nossa forma de lidar com eles. É melhor não pensar, é melhor apontar o dedo e acusar alguém, algo, qualquer coisa. Tudo para nos fazer esquecer esta sensação de fragilidade. É que se ainda não somos deuses, vamos sê-los muito em breve. Temos a certeza, com todos os inadmissíveis que acusamos.

segunda-feira, abril 10, 2017

Entrelançava os sonhos nas pontas dos dedos, ia brincando com eles enquanto os traduzia também em palavras, sonhos, esperanças, expectativas. os olhos brilhantes, planos, vontades e desejos, tudo seguro nas pontas dos dedos, enrodilhados uns nos outros, encadeados no entusiasmo da voz. eu ouvia, ia acenando que sim, pouco era chamado a participar nos devaneios. na minha cabeça perguntava-me, como é possível chegar-se a esta idade com tanto sonho? mas não formulei a pergunta. iria matar metade deles, não é essa vontade de que as coisas aconteçam que deve ser morta. tentei ajudar, só sonhar não chega, o que estás a fazer para chegar a esses lugares todos? puro discurso institucional, pura psicologia de algibeira, um silêncio a sublinhar a falta da resposta, a menina dos seus olhos a transformar-se em dois pontos de interrogação. brincar de sonhar vale tanto quanto delinear objectivos, pensei, calei de novo, não era chamado a participar mas estava ali para assistir e para me lembrar que o que temos de mais bonito não tem que se poder traduzir em indicadores de produtividade.

quarta-feira, fevereiro 01, 2017

dia de folga

Dizia o que queria e o que não queria, há algum tempo já que era assim. Antes disso, antes desse tempo, não dizia nada, calava e guardava nos bolsos do casaco, segurava e escondia nos bolsos das calças, punha para dentro e guardava no bolso da barriga. Agora não, e nem sabia explicar quando tinha sido o clique da mudança, se é que tinha havido um. Provavelmente não tinha havido nenhum, tinha lido algures que estas coisas são gra-du-ais, são de-va-ga-ri-nho, fazem-se como uma menina se faz mulher ou um rapaz se faz homem: sem se aperceber, sem se dar conta, sem querer e até sem crer. Quando se olham, já o são mas é o mundo que os vê que sabe disso, eles não, olham-se para dentro e não se vêem homem e mulher, olham-se para fora e ficam sem saber onde pôr os braços - se esticados ao lado do corpo, se nos bolsos, a tocarem nas coisas que calaram. Era por isso que às vezes lhe entrava esta raiva, não tinha pedido isto, não tinha querido nada disto, não tinha sonhado nada disto e agora tinha coisas que o mundo achava que ela tinha que fazer. E como as fazer. Comportadamente. Educadamente. Polidamente. Nesses dias apetecia-lhe gritar com o mundo e com qualquer pessoa que se lhe aparecesse à frente, nesses dias apetecia-lhe agarrar em tudo o que tinha guardado nos bolsos e aventá-los com força às cabeças que se lhe aparecessem à frente, mas não podia. Já podia dizer o que queria e o que não queria, mas não podia andar por aí a escorraçar raivas do corpo. O mundo não é um lugar de raivas, não pode ser um lugar de raivas. Raivas geram raivas e não se pode estar vivo sem se ter a noção do impacto que temos. Do quanto mexemos na vida dos outros, do quanto contagiamos os outros - com gripes, com raivas, com espirros, com sorrisos. Na maior parte desses dias - os agressivos e os de espirros, não os sorridentes - o melhor que há a fazer é esconder-se dentro de quatro paredes, afinal de contas uma raiva ocasional não é diferente de uma gripe, pensou, e ligou para o trabalho a dizer que hoje não podia ir contagiar pessoas.