segunda-feira, novembro 28, 2011

Atitudes activas Vs passivas


Ouvi dizer que não sabes o que fazer.
Ouvi dizer que continuas em quietude no mesmo canto, de braços cruzados, sem saber o que fazer.

Creio que essa posição te é confortável, enquanto te manténs na indecisão a vida vai passando por ti e tomando ela as decisões que são tuas. "São coisas que me acontecem" dizes com alguma raiva, em sussurro por entre os dentes. Sem saber que a culpa é tua por não tomares nenhuma atitude.

Mas se agora sussurras de dentes semi-cerrados por causa disso, tenho uma má noticia para te dar: vai piorar. A sério. Porque vais sofrer de uma grande crise de pós-meia idade (que é quando disseres que estás na meia idade mas na verdade já a passaste). E não vais fazer nada sobre isso, e depois envelheces e já se sabe como é essa velhice, amarga e azeda a dizer mal dos tempos modernos e bem dos tempos que mais ninguém se lembra - aqueles em que podias ter feito alguma coisa e não fizeste - e depois morres nas amarguras porque a tua vida afinal não fez diferença nenhuma (e na verdade a vida não foi tua, foi dela sozinha porque sozinha se decidiu) e depois reencarnas numa minhoca lenta e começas a rastejar por uma varanda cheia de humidade e há uma gaja que também não decide a vida dela que te vê e como também não tem a atitude que te faltou, em vez de te matar com uma pisadela fica só histérica a atirar-te sapatos do outro lado da varanda a acabas uma minhoca meia morta a dizer mal das duas vidas que não viveu. E vamos ter sinceridade, isso é triste.

Portanto, se não queres acabar como uma minhoca moribunda durante 58 horas, mais vale fazeres alguma coisa agora.

sábado, novembro 26, 2011

Um casal atípico

Segunda-feira, 7:30 da manhã, na casa de Ana e Jaime em Campo de Ourique.

Jaime percorre a casa toda em passo apressado. Procura as suas chaves de casa. Já desesperado decide acordar Ana para o ajudar a encontrá-las.

- Anaaaa, viste as minhas chaves?
- Vi. E até podia dizer-te onde elas estão se não tivesse sido atacada por uma perguicite tão grande que nem consigo falar. Só para teres uma ideia, a explicação que te acabo de dar sobre o cansanço arruinou com as minhas reservas de energia e vai-me levar, pelo menos, uma hora antes de conseguir articular qualquer palavra.
- Vá lá Ana, pára de brincar. Assim vou chegar tarde ao emprego. Tenho uma reunião de equipa às 8:30 e ainda nem revi a minha apresentação.
- Não estou a brincar! O que te digo é muito sério. Não consegues ver como arrasto a voz quando falo?... No entanto - porque te amo acima de todas as coisas - estou disposta a fazer um sacrifício. Mas para isso também vou precisar de ver alguma boa vontade da tua parte... afinal quem perdeu as chaves foste tu.
- Vá lá Ana! Não tenho tempo para jogos. Diz-me duma vez onde estão as chaves e pára de brincar.
- Como te digo, se queres reaver as tuas chaves tens que demonstrar uma intenção realmente séria de as reaver.
- E como é que esperas que eu faça isso?
- Bem, tens que jogar o jogo das perguntas: tens direito a três perguntas; nenhuma delas pode ser "Onde é que estão as chaves?". Por cada pergunta inteligente que fizeres recebes pistas que te levarão direitinho ao teu objectivo... a argúcia e perspicácia são, portanto, qualidades altamente valorizadas neste desafio. Pronto?
- Sim, tenho outro remédio?
- Isso é uma pergunta?
- Não! Era eu que estava a pensar alto, desculpa. Posso começar de princípio?
- Sim, mas a partir de agora não há mais desculpas. Não te esqueças que o tempo está a contar.
- Ok, ok. Então vamos lá. (Jaime inspira fundo olha para Ana e começa.) Já te disse hoje que te amo?
- Ainda não tinhas mencionado, não. As chaves estão algures no andar de baixo.
- Queres ir jantar fora logo à noite e ir ao cinema ver um filme à tua escolha?
- Aceito o convite...talvez fosse bom limitares a tua busca à zona da sala.
- Achas que logo à noite posso fazer-te uma massagem para estrear os óleos que comprámos na nossa viagem à Tailândia?
- Também reparaste que estão a ganhar pó na dispensa?... acho que as chaves estão caídas entre as almofadas do sofá.
Jaime beija Ana na boca e sai apressado descendo as escadas de duas em duas.. quando chega à sala vira o sofá de ponta a ponta sem vislumbrar ponta de chaves.
- Anaaaa, não estão aqui.
- Então não sei. Pensei que as tinha visto aí caídas.
...
Fim.

segunda-feira, novembro 21, 2011

O amor é uma construção a dois.

Querido Diário,
Conheci um rapaz espectacular. Tem cabelo desalinhado, usa t-shirts pretas de rock, tem montes de estilo e conversas super-interessantes. Não entendo tudo o que diz mas adoro a expressão dele!

Querido Diário,
Hoje passamos a tarde juntos,  ele fala-me de coisas que nunca tinha ouvido, conhece imenso sobre tudo, tem perspectivas muito interessantes sobre qualquer assunto. Nunca me vai ligar, que interesse poderia eu ter para ele? Ah, mas como adoro aquele cabelo despenteado!

Querido Diário,
tenho novidades das últimas semanas. Temos saído muito e conversado. Já conheço alguns amigos dele, tem todos conversas diferentes dos meus. E opiniões, é gente que sabe do que fala!


Querido diário,
tenho namorado. Adoro andar com ele e apresentá-lo a toda a gente. As pessoas ficam sempre muito impressionadas com o ar dele, porque ele é diferente em tudo. Do cabelo por pentear, as t-shirts de rock, as calças rasgadas...

Querido diário,
tivemos um jantar de anos de uma amiga minha. Ele também foi, é mais do que oficial que namoramos. Estou tão feliz! Só foi pena que algumas pessoas o olharam de lado, pudera, ele tem um estilo tão diferente...

Querido diário,
amanhã vamos ter outro jantar de anos de outra amiga minha. Felizmente consegui convence-lo a pentear-se e a vestir uma camisa. Vai fazer um sucesso, com as conversas interessantes que tem, vais ver! Só espero que não fale muito de assuntos chocantes, às vezes não percebo porque tem que ter opiniões tão duras sobre tudo. E são meio esquisitas, era muito mais fácil se pensasse o mesmo que os meus amigos em alguns assuntos...

Querido diário,
ontem ele veio cá jantar. Veio de camisa e calças sem estarem rasgadas. Não falou muito das conversas mais esquisitas que às vezes tem, que foi para não chocar muito a minha família. Correu bem... acho eu. Ele gostou! Os meus pais não disseram nada de especial, mas acho que não desgostaram.

Querido diário,
hoje tivemos uma discussão. Tudo porque me apareceu cá em casa todo despenteado - apesar de estar com um novo corte de cabelo muito mais giro! - e eu pedi para se pentear para irmos ao cinema. Não percebo qual é o problema dele, afinal não lhe custava nada e fica-lhe muito melhor!

Querido diário,
acabei o meu namoro. Não sei o que se passou com ele, mas ele mudou muito neste tempo. Não é mais o rapaz por quem me apaixonei. Não tem mais a garra que tinha a falar do que falava, parece que perdeu o brilho! E ás vezes tem um ar meio apatetado, a camisa sai-lhe para fora e parece meio tóino. Mudou demais neste tempo de namoro, não entendo. Se calhar é só de estar a ficar mais maduro, mas acho que estamos a crescer para caminhos diferentes.

quinta-feira, novembro 17, 2011


Sabia de cor as cores das suas mãos quando cruzava os dedos em apertados gritos mudos. Era estranho, como se quisesse agarrar a raiva dentro das palmas e por vezes tivesse medo que a força lhe faltasse. Apertava os lábios também, sempre o mesmo gesto, a expressão crua nos olhos. Crua de existência. 

- Que outras terras achas que pisas que te asseguram seguros chãos?

Ninguém fala assim quando em vez de palavras guarda nuvens cinzentas na cabeça. Ninguém fala mesmo, intraduções de coisas indefinidas. Raios de tentativas de explicações a soçobrarem pelos ossos, a rebentarem por dentro da pele, a baterem insistentemente contra o mesmo invólucro selado, impossível saírem por esses cortes tentativas.

- Que outras terras achas que pisas que te asseguram seguros chãos?

Como se não fossemos existência em vazio. Como se houvesse mesmo a possibilidade de assegurar ou de nos segurarmos a alguma coisa. Um cajado, havia senhores que tinham cajados, havia um tempo infantil que achava que jamais o mundo se poderia desequilibrar se tivesse apoiado num cajado firmemente cravado no chão. As mãos sob o queixo. As respostas sob as mãos. 

- Que rios são esses que tentas travar sem fazeres de ti barragem?

A fluidez dos dias, dos momentos, das pedras, dos "sim", dos agora. A fluidez imparável da falta do concreto, a fluidez do cimento e do betão, não há nada indestrutível, não há nada que dure agarrado ao lodo escorregadio do que já foi. Uma lágrima tem menos fluidez do que essa promessa. Há no vento uma aspereza maior do que nesse muro. É preciso, seria preciso, aprender a andar assim. Sem chão nos pés, sem mãos no cajado. Pior que um bebé de ano. Trôpego, não bebas mais, não mastigues a bebida, não mastigues essa raiva. Sôfrego, já não há, fluiu-se. 

- Anda, vamos embora. Amanhã também é dia.

Não são os dias que importam, são as noites. Quando as coisas fluidas ganham algum peso. Quando a gente se ilude a pensar que há coisas importantes e que vão durar. As noites são uma merda, por isso digo-te bom dia, alegria, e construo uma casa de nevoeiro - o material de onde nascem todos os outros.