quinta-feira, junho 02, 2016

Insónia com reflexos

Alguém passa na rua, passos apressados, está um frio que se entranha. São 02:17 da manhã e a qualquer hora neste bairro há sempre alguém que chega ou vai - os silêncios da noite são intervalos nas histórias das pessoas que não conhecemos – e está visto que não vou mesmo conseguir dormir. Levanto-me da cama, amanhã o dia custará mais mas pensar nisso costuma apenas tornar a noite ainda mais longa. Acendo um cigarro de frente para ti, o intervalo nas histórias das pessoas que não conhecemos faz sentir que o bairro se deixou suspender, talvez fora do mundo, e aqui dentro o que vejo é apenas tanta interrogação no lado de dentro do teu olhar.
Tão longe e distante, criou-se tanto espaço entre nós. 

Na minha cabeça há muito que as incertezas se divertem a estorvar os outros pensamentos, queria-te pedir para me levares de volta a quando éramos mais fortes, a quando olhávamos as dificuldades com um sorriso trocista e segurávamos a respiração num folêgo antes de arregaçar as mangas, como quem mergulha de muito alto. Olho as tuas sobrancelhas, olho o teu nariz, olho os teus lábios. Conheço-os de cor, se soubesse desenhar poderia desenhá-los de memória e no entanto enquanto os olho agora, não tenho sequer a mínima sensação de familiaridade. 
Estás diferente. 
Estamos diferentes. 
Suspiro fundo, não tenho a certeza que possamos voltar ao que fomos sabes? E vejo que no teu olhar também há dor, não sei como fazer para voltarmos a ter a coragem que tínhamos, e vejo que os teus lábios também se contraem de tristeza, não sei como havemos de fazer... na rua passa um carro - há sempre alguém que chega ou vai - passo a mão pela franja desalinhada, suspiro fundo. 

Às vezes há que desistir e isto nem sequer são horas. Olho-me uma vez mais no espelho e penso para comigo que pode ser que talvez um dia me encontre.

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