Alguém passa na rua, passos apressados, está um frio que se entranha. São
02:17 da manhã e a qualquer hora neste bairro há sempre alguém que chega ou vai
- os silêncios da noite são intervalos nas histórias das pessoas que não
conhecemos – e está visto que não vou mesmo conseguir dormir. Levanto-me da
cama, amanhã o dia custará mais mas pensar nisso costuma apenas tornar a noite
ainda mais longa. Acendo um cigarro de frente para ti, o intervalo nas histórias
das pessoas que não conhecemos faz sentir que o bairro se deixou suspender,
talvez fora do mundo, e aqui dentro o que vejo é apenas tanta interrogação no
lado de dentro do teu olhar.
Tão longe e distante, criou-se tanto espaço entre
nós.
Na minha cabeça há muito que as incertezas se divertem a estorvar os
outros pensamentos, queria-te pedir para me levares de volta a quando éramos mais
fortes, a quando olhávamos as dificuldades com um sorriso trocista e segurávamos
a respiração num folêgo antes de arregaçar as mangas, como quem mergulha de
muito alto. Olho as tuas sobrancelhas, olho o teu nariz, olho os teus lábios.
Conheço-os de cor, se soubesse desenhar poderia desenhá-los de memória e no
entanto enquanto os olho agora, não tenho sequer a mínima sensação de
familiaridade.
Estás diferente.
Estamos diferentes.
Suspiro fundo, não tenho a
certeza que possamos voltar ao que fomos sabes? E vejo que no teu olhar também
há dor, não sei como fazer para voltarmos a ter a coragem que tínhamos, e vejo
que os teus lábios também se contraem de tristeza, não sei como havemos de
fazer... na rua passa um carro - há sempre alguém que chega ou vai - passo a mão
pela franja desalinhada, suspiro fundo.
Às vezes há que desistir e isto nem
sequer são horas. Olho-me uma vez mais no espelho e penso para comigo que pode
ser que talvez um dia me encontre.
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