Dona Laura sabia, porque sua mãe muito repetia, o que o seu nome significava: a vitoriosa, a triunfadora. Dona Laura ficava vaidosa quando sua mãe lhe escovava os lisos cabelos compridos. Ela, menina, inspirava de costas direitas, pronta a triunfar na vida. Quarenta anos depois, olhava para o espelho e fazia o mesmo movimento direito à procura da pose de triunfo. Sempre fora menina ajuizada, estudante média-para-o-boa, nunca tinha perdido um ano do curso de letras que escolhera. Casara com um colega da universidade - o seu segundo namorado da vida inteira - e foram viver para a terra dele, o que não era um problema porque estavam apenas a duas horas da sua. Aos fins-de-semana até dava para ir e voltar. Dava para ir e voltar agora, no princípio passavam lá o fim de semana inteiro mas ele tinha cada vez menos paciência para isso, da mesma maneira que tinha cada vez menos paciência para programas com ela. As visitas a casa a encurtar e as semanas entre elas a aumentar, mas que diferença fazia, afinal os pais dela tinham mais perto a irmã, estavam apoiados e confortados e tampouco lho cobravam. Já dona Laura sabia que tinha uma boa vida entre os dois salários e os poucos gastos, um trabalho confortável para a câmara municipal, o marido como braço direito na empresa de seu pai - sem grandes riscos, luxos ou aventuras mas estável e seguro, a assegurar o futuro. Para ser sincera, Dona Laura, a vitoriosa, gostaria se ás vezes fizessem outras coisas, sei lá, mais viagens, jantares ao som das próprias conversas em vez de ao som da televisão… um gesto de romantismo dele - mas que não fosse o de irem almoçar fora ao domingo, era sempre ao mesmo restaurante, isso ainda conta como romantismo? Ele dizia que sim - meio impaciente, sem a olhar nos olhos - o que queres agora ao fim de tantos anos juntos, e ela dizia para si mesma que o casamento é isto mesmo, que estou a ser exigente e irrealista, ele tem lá as preocupações dele e da empresa e além disso nós temos esta bonita história de 23 anos juntos… O mal são as comédias românticas que passam na televisão, que não sei porquê mas às vezes põem-me a pensar no Júlio, o meu primeiro namorado, que apanhava malvas no quintal da vizinha sempre que vinha ver de mim, o que será feito dele? Ah mas Dona Laura nem se atrevia a suspirar, depressa tentava acabar com estas divagações nostálgicas da sua cabeça, concluindo que decerto o Júlio está gordo e desarranjado, era vaidoso mas não tinha gosto nenhum, andará lá na sua vida, tanto faz, eu é que tenho que ir ao cabeleireiro, e na volta passar no supermercado para comprar café, a ver se não me esqueço do que o adjunto da câmara falou na sexta-feira passada... e assim seguia rapidamente para a sua rotina, Dona Laura, a vitoriosa, a triunfadora, que não sabia explicar esta sensação de vazio que de vez em quando a enchia.
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