quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Referendo de dia 11 - Aborto, Sim ou Não?

5 de Fevereiro, Antena 1, tempo de antena sobre o aborto. 4 de Fevereiro, 24h00, discussão no bar sobre o aborto. Televisão, debate sobre o aborto. Em todo o lado se discute, argumenta e contra-argumenta e o referendo mais perto. Há gente que vai votar “Sim”, gente que vai votar “Não” numa pergunta que já foi dito e repetido, trapaceira.
Mas será que estamos a discutir o que realmente importa? Será que é este o momento para o fazer?


1 – a realidade social de Portugal – Estamos num país onde não se pode dizer que haja uma politica de prevenção e informação eficaz. Não me lembro de terem vindo ao meu encontro informações por meios institucionais acerca de métodos contraceptivos, acerca de doenças sexualmente transmissíveis, acerca do aborto. Lembro-me de ter falado destes assuntos em aulas de moral e desconfio (até pela abordagem) que a iniciativa partiu de quem tutelava essas mesmas aulas. Não me parece que haja, minimamente, uma política eficaz de esclarecimento, nem de acompanhamento, de informação, de prevenção, de alguma coisa. Parecia-me pertinente despender primeiro esforços e dinheiros nesse sentido antes de se avançar para um referendo sobre a liberalização do aborto (que, mascarado ou não, é isso que este é). Porque para haver direito à escolha de abortar, deveria haver primeiro direito de escolha de engravidar, em consciência das consequências reais que se podem correr.

2 – A falta de “escolha” para quem decide abortar – Apesar de o direito à escolha ser uma bandeira pelos argumentos a favor da liberalização do aborto. Ou seja, uma mulher (ou miúda) engravida sem querer. De repente vê-se numa situação que lhe parece um beco sem saída – seja porque não tem dinheiro, seja porque não tem condições, seja porque o parceiro a pressiona para não ter o filho. A quantas instituições de apoio pode recorrer? Se quisesse ter o filho desde que tivesse um bocadinho de ajuda, para onde se viraria? Desculpem-me a repetição mas parecia-me pertinente despender primeiro esforços e dinheiros nesse sentido antes de se avançar para um referendo sobre a liberalização do aborto. Este ponto vai desde o apoio financeiro (subsídios) ao psicológico, passa por instituições que possam dar abrigo a estas mães e aos seus filhos, passa por políticas de emprego para estes casos, passa por apoio de instituições infantis que abriguem os filhos na ausência das mães. Passa por um sem número de coisas que em Portugal ou não há, ou funcionam mal, ou há e não funcionam ou não chegam. (Aqui ainda poderia falar acerca da “modernidade” que o “Sim” pelo aborto tanto fala e das políticas de natalidade vigentes por essa Europa fora mas o artigo já vai extenso e ainda não vai a metade).

Depois de uma aposta séria, visível e eficaz, o número de abortos clandestinos decairia bastante. Mas até iria continuar a havê-los. Discutiríamos então a liberalização do aborto?

3 – Sistema Nacional de Saúde - Curiosamente, vivemos num país onde, até há bem pouco tempo, se falava e discutia acerca das enormes listas de espera em hospitais. Já não se tem falado muito neste assunto mas a questão não está resolvida. Ora, a intervenção médica para proceder à interrupção da gravidez, deverá ser feita em hospitais públicos, tendo um prazo de dez semanas. Temos condições de resposta para os casos que aparecerem? Se temos, há custa de mais espera de quem já desespera? Temos fechado maternidades e hospitais por falta de meios para os manter, apesar disso, temos capacidade de resposta para todas as mulheres que decidirem abortar até ao prazo legal estabelecido? Porque me parece que não temos portanto, desculpem-me a repetição, mas parecia-me pertinente despender primeiro esforços e dinheiros nesse sentido (agora, no sentido de melhorar a realidade do sistema de saúde) antes de se avançar para um referendo sobre a liberalização do aborto. Isto porque incorremos num outro perigo que é o facilitar a vida a quem já a tem facilitada e não ajudar a quem realmente recorre a abortos clandestinos. Ou seja, quem pode fazer uma viagem até Espanha deixa de a fazer e opta por um hospital nacional privado mas, se o sistema nacional de saúde não conseguir dar resposta aos outros casos, quem optaria por um aborto clandestino, quem realmente precisaria de apoio e de condições, vai continuar a recorrer à mesma via. Ora, para isso, se calhar não vale muito a pena.

Com um sistema de saúde eficaz, já poderíamos referendar a questão da liberalização do aborto? Já… desde que a questão fosse tratada honestamente.

4 – a pergunta: questão levantada (e bem devo dizê-lo) pelo Marcelo Rebelo de Sousa numa campanha chamada “Assim Não”. Votar pela despenalização significa não pôr a mulher que abortou num banco de réus, não significa a criação de meios e infra-estruturas facilitadoras de uma decisão tomada de ânimo mais ou menos leve (até porque ao fim e ao cabo ainda não ouvi muita gente falar de acompanhamento e informação).


5 - a infantilidade – na resposta do primeiro ministro. Um bocadinho ao género do Gato Fedorento, “ah e tal, ou é assim ou nada. Ou é como eu quero ou já não brinco mais”. Tem piada, pensava que a questão do aborto se prendia com necessidades sociais, com a realidade nacional, com a moralidade de todos e cada um – não é para isso que se está a fazer um referendo? Portanto, parece-me inacreditável esta posição. Inacreditável. Ainda mais sabendo que esta questão (a da despenalização independente da liberalização) já tinha sido levantada e o PS votou contra. Parece-me impensável e é-me incompreensível a recusa em mudar uma lei que tem que ser mudada, o facto de nenhuma mulher ter sido condenada é uma demonstração clara de que a lei não tem sido aplicada porque não vai de encontro com as necessidades e moralidade da sociedade.

Infelizmente estarei fora do País dia 11 mas, a votar, votaria em branco. Em jeito de conclusão sintética, não criámos condições alternativas à interrupção voluntária da gravidez e, enquanto não as criarmos, a liberalização do aborto vai ser um modo de taparmos lacunas em vez de as colmatarmos. E claro, não gosto de comprar gato por lebre, há politiquices que até se admitem, questões de marketing político que são mais ou menos indiferentes, mas esta questão é séria de mais para se tornar numa coisa desse género. Bem sei que não são soluções que se criem da noite para o dia e por não terem um efeito rápido não são passíveis de se tornarem bandeiras políticas mas se visse um esforço, por pequeno que fosse, sobre estas questões, já poderia pensar no assunto em si. A questão do aborto, para ser tratada, que seja bem feita. Estão em jogo vidas humanas!

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