Podia pensar-se que sonhavam com qualquer objectivo mais alto e maior. Talvez chegar ao outro lado do mundo, talvez construir uma passagem que permitisse que os extremos se tocassem, talvez encontrar uma verdade mais quente e verdadeira, presa e logo colada ali ao centro da terra. Podia pensar-se nessas coisas todas, mas nenhuma era certa hoje em dia. Já haviam sido, agora não. Agora era escavar pela ânsia de escavar, esgafatunhar como quem não sabe nem quer saber fazer mais nada, o desígnio de quem se esqueceu de outros propósitos e horizontes. À procura, claro, de algo. De alguma coisa. De qualquer coisa. Que teimava em não se materializar por baixo da terra, da lama, dos sonhos, da esperança, de todas as porcarias em que escavavam.
Já fomos, já deixamos de ser, talvez estejamos de volta. Poderá ser o regresso do mito. O mito que nunca o foi.
quarta-feira, abril 04, 2012
Das vidas de outras vidas
Andavam em escavações, diziam, quando na verdade apenas esgafatunhavam aqui e ali. Usavam normalmente armadilharia pesada: pás, enxadas, perguntas certeiras. Mas outras vezes usavam apenas os dedos e os olhos. À procura de alguma coisa, à procura de qualquer coisa, e andavam naquilo dia e noite. Os dedos duros e doridos, bolhas a rebentar, um sulco de esforço por debaixo das unhas, uns calos altos por entre os descansos do dia. Os descansos do dia - a noite. Queriam-na pacífica mas vá-se lá saber dos desígnios estrelares, eram cheias de sonhos com buracos a fecharem-se, esforços redobrados, escava daqui e dali, retira daqui e dali, carrega daqui pr'ali.
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