Nem sempre as coisas que se nos escapam entre os dedos caem no chão. Larguei pássaros suficientes para o saber. De todos, lembro-me de uma andorinha, adolescente feita, de asas sem mágoas mas assustada demais para se fazer a uma vida entre nuvens e migrações. Lembro-me de um tio de bigode a dizer que tinha que a atirar, lembro-me de mim a dizer que não, lembro-me dele ma tirar em homem decidido, apanhar balanço com a mão e atira-la por cima do telhado da casa do avô, lembro-me de ter antecipado a queda em elipse que o corpo mais pesado que a gravidade ia fazer e da surpresa no estômago quando a previsão se mostrou errada e o trajecto foi seguro e decidido. Por cima do telhado, para os lados do horizonte.
Não bastou abrir as mãos, ali, que isso já eu tinha tentado sem resultado. Foi violento e cheio de força, o atirar do bicho, o aventar do bicho, por cima de um telhado de uma casa. Gente que sabe, acho eu, se não, correu bem. Não me lembro qual tio era, duvido que se lembre da história também. Gostava de saber, se sabia mesmo ou se acreditou com palpite.
Nem sempre as trajectórias adivinhadas são as que se cumprem. Nem sempre há coragem para libertar algo. Como se o prender fosse mais do que uma ilusão, ou como se manter limitado fosse certo de que há a vontade de ficar.
Nem sempre as coisas que se nos escapam entre os dedos caem no chão. Larguei pássaros suficientes para o saber.
Já fomos, já deixamos de ser, talvez estejamos de volta. Poderá ser o regresso do mito. O mito que nunca o foi.
segunda-feira, outubro 22, 2012
terça-feira, outubro 16, 2012
Dona Opala
Dona Opala trazia nos braços a calma dos lagos azuis profundos. Tinha um céu brilhante nos olhos e os sonhos carregados de safiras. Não havia nuvens nas deambulações de Dona Opala, calmamente sentada no cadeirão da sala, Dona Opala fantasiava com um mundo brilhante e sorridente.
Assim vivia Dona Opala, de respostas serenas e sorriso sossegado, gestos tranquilos e muitas horas de sono. Dormitava e acordava, adormecia e ressonava, levantava-se do sofá e ia para a cama.
Senhora de uma existência sem percalços Dona Opala navegava no mar da tranquilidade. Deixou saudade Dona Opala, quando numa noite sem tempestade se afogou na realidade, ao ouvir o primeiro ministro a falar dos novos cortes orçamentais.
Assim vivia Dona Opala, de respostas serenas e sorriso sossegado, gestos tranquilos e muitas horas de sono. Dormitava e acordava, adormecia e ressonava, levantava-se do sofá e ia para a cama.
Senhora de uma existência sem percalços Dona Opala navegava no mar da tranquilidade. Deixou saudade Dona Opala, quando numa noite sem tempestade se afogou na realidade, ao ouvir o primeiro ministro a falar dos novos cortes orçamentais.
terça-feira, outubro 09, 2012
Nem aos blogs confesso
Sabes que sonho.
Que ás vezes me perco nas entradas e estradas dos meus próprios sonhos, nas ilusões que idealizei. Que me esqueço da realidade para esquecer a saudade, que me agarro a fantasias para fazer durar os dias.
Sabes que me perco.
Em emaranhados de suposições, em "ses" infinitos, em completas divagações, para não ter que sentir as âncoras das existências. Como se pudessemos criar um navio, como se houvesse outro mundo do lado de lá do horizonte, como se não estivessemos sempre, em todos os momentos, do lado de cá do horizonte. Sempre. Do lado de cá. Não há outra forma de existência sem ser esta, do lado de cá do horizonte.
Sabes das deambulações.
Entre códigos, signos e objectividades, entre formas, conceitos e supostas verdades, entre ignorâncias mal tapadas com pedacinhos sonantes, chavões, palavrões, meta-questões, com a desculpa de procurar qualquer coisa mais profunda, mais densa, qualquer coisa que não existe mas persiste na vontade irrealizável.
São desculpas. São fugas. Esconderijos provisórios de baixa qualidade.
A vontade de ser pássaro sem ter asas.
O nunca deixar de sentir o vento na cara.
O não deslargar nunca daquilo que jamais pode ser.
Para fingir que não se tem o que se tem.
Que ás vezes me perco nas entradas e estradas dos meus próprios sonhos, nas ilusões que idealizei. Que me esqueço da realidade para esquecer a saudade, que me agarro a fantasias para fazer durar os dias.
Sabes que me perco.
Em emaranhados de suposições, em "ses" infinitos, em completas divagações, para não ter que sentir as âncoras das existências. Como se pudessemos criar um navio, como se houvesse outro mundo do lado de lá do horizonte, como se não estivessemos sempre, em todos os momentos, do lado de cá do horizonte. Sempre. Do lado de cá. Não há outra forma de existência sem ser esta, do lado de cá do horizonte.
Sabes das deambulações.
Entre códigos, signos e objectividades, entre formas, conceitos e supostas verdades, entre ignorâncias mal tapadas com pedacinhos sonantes, chavões, palavrões, meta-questões, com a desculpa de procurar qualquer coisa mais profunda, mais densa, qualquer coisa que não existe mas persiste na vontade irrealizável.
São desculpas. São fugas. Esconderijos provisórios de baixa qualidade.
A vontade de ser pássaro sem ter asas.
O nunca deixar de sentir o vento na cara.
O não deslargar nunca daquilo que jamais pode ser.
Para fingir que não se tem o que se tem.
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