terça-feira, agosto 28, 2012

Um casal (a)típico


21:00. Sala da casa da Ana e do Jaime em Campo de Ourique. Ana tenta convencer Jaime a adoptar um gato... 

- Está fora de questão Ana. Não quero gatos cá em casa!!! Fim de assunto. 

- Mas Jaime, este gatinho perdeu a mãe e não tem ninguém.. Olha só para ele.. não achas amoroso? Que dizes a chamarmos-lhe Mitra?

- Mitra?!? A sério! Queres mesmo ter um gato chamado Mitra!?!.. e onde é que vais comprar a coleira dele? À Fubu?

- Oh, vá lá Jaime! Estou a falar a sério! 

- Também eu! Não quero um gato cá em casa. São falsos, não têm utilidade conhecida, defecam dentro de caixas, atraem germes e doenças... 

- Jaime, estás a sentir o mesmo que eu?

- Não, não, não, não, não, não! Sei bem o que estás a tentar fazer Ana. Não comeces!!!

- De que é que estás a falar? Estás a sentir este calor? A temperatura parece ter subido de repente. 

- Não sinto nada... a temperatura parece-me estar exactamente na mesma!! Os mesmos 23 graus que faziam quando começámos esta conversa... Anaaaa, veste imediatamente essa camisola!!

- Referes-te a esta camisola? (Ana agita a camisola na ponta do dedo indicador atirando-a depois à cara de Jaime). 

- Ana, sabes bem que isso é jogo sujo! Por favor vamos continuar a nossa conversa como dois adultos racionais. Estávamos a falar sobre os motivos porque não devemos adoptar um gato... a forma como largam pêlo... por favor volta a pôr esse soutien! Volta a pôr esse soutien Ana! Imploro-te!

- Oops... não adoras a nova gama de soutiens de abertura fácil da Women'sexiest? Parece que têm molas propulsoras... 

- Sim, de facto, a equipa de research&development da women'sexiest é uma das mais criativas do mercado de lingerie. Há que reconhecer isso...

- Jaime recorda-me outra vez porque é que não podemos ter um gato cá em casa?

- Não foi bem isso que eu disse.. 

- Ah não?...

- Não. O que eu disse foi que estava, completamente, fora de questão termos um gato, cá em casa, que não se chamasse Mitra!

- Amo-te tanto!

Fim

segunda-feira, agosto 20, 2012

Fim de férias

Dizia "bom dia" e eram cordas de guitarra à volta de uma fogueira o que lhe ressoava na garganta.
Dizia "bom dia" e entrava num corredor cinzento mas era ainda o sol que lhe dourava a pele e a brisa que lhe arrepiava os pelos do braço.
Dizia "bom dia" com ladrilhos brancos debaixo dos pés, sentindo um "crrraaaac craaaac" da areia morna.

Quando chegou ao seu lugar e calou a voz, sentiu o sabor do sal na boca, mas não era um mar a existir, eram duas lágrimas feitas gaivotas a desenharem caminhos de sede.

Hoje havia o ontem, amanhã não existe por detrás de um horizonte que não se vê.

Nas mãos as aventuras de estradas corridas, nos olhos as paisagens vistas, cada pedaço de pele transpirando a alguma forma de liberdade diferente desta daqui. Regressos feitos de ilusões, cada retorno é feito por alguém diferente de quem partiu, mudanças subtis e imperceptíveis, sonhos ganhos e horizontes despertos, ali, além, acolá, longe daqui.





quarta-feira, agosto 01, 2012

Coisas soltas

Uma lareira acesa enquanto chove à séria lá fora.
O cheiro a terra molhada.

Um cão a dormir com a cabeça à distância do braço.

O sol a deitar-se no mar enquanto e gente entre conversas com sweat-shirt vestidas.

Músicas antigas cantadas em coro desafinado aos gritos, com gente que não nos conhece a olhar.

Correr na rua entre as pessoas para chegar primeiro a qualquer sítio.

Dançar na rua só porque a música que vem do rádio do carro é boa que chegue.

Conversar numa esplanada com os pés em cima da cadeira da frente sem ninguém me chatear. Ter uma mini fresquinha na mão e montes de assuntos na manga.

Conversas soltas que começam com "gosto dessas calças" e acabam na tentativa de descoberta de toda a metafísica da vida e da morte.

Tardes lentas e quentes a ver passar os pássaros no céu azul.

Noites decoradas com estrelas e pontuadas por conversas, risadas e silêncios.

Livros. Muitos livros, todos os livros, praticamente qualquer livro.

Uma fotografia bem tirada, na altura certa. Por mim.

O olhar e abraço da amiga de Cáceres quando nos voltamos a ver.

As gargalhadas imparáveis e incontroláveis que acabam em lágrimas e dores de barriga.

A estrada vazia à frente a passar pelo carro com boa música. Com pessoas, acordadas ou a dormir, ou sem mais ninguém.