Dona Lena era financeira e dizia números crescidos - separados com vírgulas do grandes que eram - dizia indicadores,
volumes,
métricas
e pensava sentimentos - separados pela ausência de tempo para os sentir, do forte que eram - pensava sonhos,
ilusões,
esperanças que nem chegava a acalentar no breve escorrer dos dias corridos ou voados - ai, não são voados de sentir o vento na cara, são tipo voados em motores barulhentos e com cheiro a óleos ou cadáveres de pássaros esmigalhados - não sei se me estou a explicar, não tenho tempo para me explicar //
se tinha tempo para olhar uma nuvem, nem a via, por isso gostava de cheiros, não se perde tempo a avaliar cheiros, quando se dá conta deles é porque já foram vistos sem se dar conta disso, é ver sem ter que perder tempo a olhar, é ouvir o que não foi dito, é uma forma de cumplicidade unilateral, secreta, escondida, guardada cá dentro, e
Dona Lena dizia,
Dizia que a felicidade não era isto, mas dizia-o a sorrir em suspiros, dizia coisas demais e sabia-o, mas calar é morrer ou encontrar pelo menos um silêncio que põe a nú todas as incertezas e inseguranças e fragilidades e não há nada mais frágil do que o próprio silêncio, portanto mais vale dizer que a felicidade não é isto, e dizê-lo a sorrir em suspiros, enquanto se corre sem tempo para se explicar o inexplicável, para traduzir o intraduzível, Dona Lena dizia,
Um dia mudo tudo, um dia mudo o mundo para ter tempo para mudar também, um dia deslargo tudo para poder não mudar nunca mais, um dia descalço-me de vez para não poder correr, um dia deixo-me cair de verdade para aprender a voar a sentir o vento na cara.
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