sexta-feira, agosto 01, 2025

 Sr Tiago

Tocava o despertador às segundas-feiras e o Sr. Tiago não se demorava a sair da cama. Tomar banho e vestir um fato, fazer o nó da gravata depois de ligar a máquina do café, a mulher que se levantava mais tarde e ele que saía sem pressa nem atraso para mais uma semana de trabalho. Organizado, metódico, estóico. O carro era bom, marca alemã com mais espaço e potência do que o que seriam necessários, cor escura. O sr. Tiago era seguro e confiante, era daqueles que ocupava mais do que o seu lugar quando se sentava: pernas abertas, braços abertos, ligeiramente recostado nas cadeiras, tinha sempre algo a dizer, a acrescentar, a apontar ou a criticar. Filho mais velho do que chamariam nos estados unidos de “self made man”, a empresa do pai sempre esteve presente na sua vida. Em miúdo, foi neste recinto que aprendeu a patinar e a andar de bicicleta; a sua primeira mota estava em nome da empresa; parte dos seus verões haviam sido passados ora no armazém, ora na oficina e mais tarde no escritório. Nessa altura alguns dos empregados tratavam-no por “o menino”, mas isso fora lá atrás. Agora era Senhor Doutor, e ele nem tinha esse titulo universitário mas também não os corrigia. A empresa era de transportes - quem é que em menino tinha sonhado em ser o maior gestor de uma empresa de transportes? - e não sendo uma mega multinacional, tinha os seus 300 empregados e uns quantos estagiários ocasionais. Estava bem na vida, o Sr. Tiago, não fosse de vez em quando ter que engolir sapos do pai, mas também não era grande sacrifício e além disso o velho estava cada vez mais velho e portanto o sr. Tiago também ja lidava com ele de outra maneira. Estava bem na vida, o sr. Tiago, sem grandes sonhos nem paixões mas lá disso nunca tinha havido que a vida é dura e sonhar e desejar era para outros românticos. Já a sua mulher, de vez em quando punha-se com conversas lamechas, que os presentes deviam ser bem pensados, que podiam ir fazer uma viagem a África... África? Como se ele aguentasse 15 dias a comer porcarias mal cozinhadas, ou como se a empresa aguentasse 15 dias sem ele! Que paciência às vezes era preciso ter, ainda se ela tivesse razão de queixa da vida que levavam!... Não, isso de divagações e sonhos não era para ele, o sr. Tiago era de fazer o que tinha que ser feito - geria a empresa, geria a sua família, fazia-se respeitar pelos amigos. Ocasionalmente metia-se com as estagiárias, aventuras de curta duração e de quase sempre apenas uma incidência, ao domingo levava a mulher a almoçar fora, trocava de carro a cada 3 anos e acima de tudo nunca se entretinha com pensamentos sobre o que poderia ser diferente ou como gostaria que a sua vida fosse. Era como era e ele sabia bem fazer isto.