terça-feira, agosto 12, 2025

Sr. Júlio

O Sr. Júlio tinha sido um rapaz possante e forte, jogador de rugby e profissional de matraquilhos, engatatão da noite e do dia, voz grossa e confiante. Ainda carregava nos ombros a memória atlética de outros tempos e gostava de a exibir como quem lembra uma façanha que não passou de validade.

Trabalhava como comercial de viaturas automóveis, vendedor de carros, pois, 

a profissão que, para ele, parecia a continuação natural da juventude: almoçaradas com clientes à conta da empresa, carros de boa cilindrada para a frente e para trás, piadas trocadas com os clientes bonacheirões, uns chefes suficientemente satisfeitos para não perguntarem muito sobre as despesas ou as horas em serviço. Liberdade, liberdade, a preço acessível, e sempre com a sensação de estar a vender aquilo que dá mesmo gosto aos clientes. O segredo, dizia, estava nas relações de confiança.

Não trabalhava num escritório engravatado — “Deus me livre!” — nem se via atolado em papelada, que para isso havia sempre umas miúdas novas que davam conta do recado. Passava de cliente em cliente, e no intervalo trocava pelo telemóvel umas imagens mais ousadas que lhe chegavam. “Olhar não faz mal”, justificava, “até porque sou um homem casado e bem casado.” E era: ninguém percebia bem como é que tinha arranjado uma mulher tão bonita e paciente.

Orgulhava-se também dos dois filhos, rapagões traquinas, “frescos” como o pai dizia. E havia nele um lado romântico: aparecia com flores sem data marcada, ou levava a mulher até ao Porto só porque sim; se ela ficava de olhos presos num colar, ele não hesitava. Ao fim de semana, o programa era ir ver os miúdos — um bom de bola, outro de ténis — ou aparecer nos jogos de rugby da equipa onde ele próprio jogara. “Um orgulho, não… dois”, repetia.

Às quintas-feiras, uma vez por mês, havia o ritual dos negócios mais chorudos: fechar contratos com os clientes habituais e celebrar no Heaven, um strip club discreto, já tradição. Ali, entre luzes baças e copos cheios, o Sr. Júlio alimentava a certeza de que ainda tinha o mesmo fulgor de outros tempos — agora temperado com mais experiência, e, segundo ele, também mais tesão.

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