Dizia: há caminhos estreitos que vão desaguar em rios, e olhava a chuva sabendo que não era das poças enlameadas que falava.
Ás vezes sentava-se na relva e ficava com o fundilho das calças esverdeadas. Pensava que era uma forma de trazer o cheiro da primavera para casa mas nunca conseguiu nada mais do que dois ou três sermões irritados, em versão de "olha para isto, sujas-me os sofás e ainda me dás uma trabalheira para lavar essas calças". Foi assim que descobriu que as calças se lavavam mas não ganhou curiosidade pelo processo. O mundo a chatear com as rotinas comezinhas de afazeres, mas há muito que lhe nasciam penas no corpo e queria era dedicar-se a outra coisa. Talvez à agricultura de sonhos, talvez à pesca de sorrisos, talvez à criação de nuvens, qualquer outra coisa que não à lavagem de calças. Um dia decidiu-se a coleccionar cheiros, no dia seguinte quis cozinhar solidões, ao terceiro dia pensou em construções de idiossincrasias e ao quarto teve mesmo que fazer uma máquina de roupa, estendê-la e passá-la a ferro. E o pior não era isso, o pior eram as burocracias que lhe exigiam: que fazes parte do mundo e não podes andar a voar a 20cm do chão. Pousa os pés e vai preencher uma declaração de vida acinzentada, não te esqueças do imposto de alegria, vá que depois tens que lhe juntar o anexo de maturidade responsável e ainda a declaração de rendimentos com saldo negativo de felicidade.
Por isso, comia muitas vezes chocolates, na tentativa de se lhe adocicar as esperanças que começavam a definhar em poças enlameadas onde não havia reflexos possíveis.
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