terça-feira, junho 24, 2014

Dizia "o tempo está embrulhado" enquanto se embrulhava e tropeçava nas palavras aquelas, as que não queria juntar numa frase mas que lhe sobravam dos bolsos, a espreitarem, a escorregarem, a ficarem perdidas pelo chão da rua e nas entre-almofadas do sofá, caídas em conversas com sabor a vinho e temperaturas de medos. Dizia "o tempo está embrulhado" e deixava o olhar preso numa nuvem de cor ameaçadora, engolia as fragilidades lembradas como quem já as tinha remendado com linhas e fita cola, esboçava um sorriso pontual como quem sabe que a vírgula se coloca entre estas duas palavras e prendia os atacadores dos sapatos às pedras da rua porque não queria voar, nem pairar, nem nenhuma história que lhe fizesse tirar os pés do chão - afinal o tempo está mesmo embrulhado, já viste a cor daquela nuvem? nem é chuva, o que aí vem é tempestade, não preferes um guarda-chuva? não, deixa estar, os atacadores amarrados às pedras chegam - e chegava também o cheiro a terra molhada, vindo das entranhas do mundo, que as coisas que se escondem dos olhos aparecem do lado de dentro dos outros sentidos. A outra? A outra sentou-se no chão, mesmo ao lado, e pensou apenas que não são precisas amarras para se poder ficar, a cor ameaçadora da nuvem até pode parecer prateado e ser bonita, um dia os teus atacadores desatam-se sozinhos e vamos embora de mãos dadas ver outra coisa qualquer. Até lá, fico-me por aqui contigo.

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