terça-feira, agosto 05, 2025

Dona Dália

 A Dona Dália era filha de um jardineiro de província, claro, que outra explicação haveria para o seu nome floreado que lhe fechava tantas portas? Ou era o nome ou seriam o sotaque e as maneiras, lá porque tinha emigrado para a capital há mais de vinte anos, não significava que se tivesse conseguido integrar totalmente. Eternamente estranha numa cidade que chamava sua, a Dona Dália tinha vingado mais do que se teria permitido imaginar: profissional de sucesso em consultora de renome internacional, cada subida do seu chefe significava também uma subida sua. Por isso a Dona Dália era uma secretária empenhada que não se ficava em tratar dos compromissos profissionais – há já muito que o lembrava de ir cortar o cabelo, que lhe marcava o dentista e que lidava com as agências para lhe assegurar o merecido descanso das férias. Lá na empresa haviam muitas miúdas novas, de nariz empinado, armadas em arrogantes, que a tentavam destratar. Ah, mas a Dona Dália logo as punha no lugar, destratá-la a ela era ficar sem acesso ao seu chefe, eram demoras nas respostas dos e-mails, eram prazos a serem ultrapassados e urgências que ficavam para a última prioridade da semana. Não era preciso muito tempo para essas arrogantezinhas perceberem rapidamente o seu lugar, com a Dália ninguém se mete, avisava ela carregando nas sibilantes e entre-dentes, ameaças sussurradas que nem precisavam ser ouvidas para mais cedo ou mais tarde serem claramente entendidas. O marido de Dona Dália, um ex-segurança ferido em serviço – que lhe tinha caído um armário em cima de um pé e esmagado 3 dedos e vários ossos, deixando-o sem trabalhar e a receber da segurança social - era um bom marido. Arranjava o que havia para arranjar lá por casa e ainda se entretinha a fazer umas obras a sério: a última que ela o tinha conseguido convencer e que já estava em andamento era um deck de madeira no quintal. Ia ficar bonito, oh se ia, digno de estrela de televisão. O filho único ajudava, estava já com 16 anos mas era um bocadinho mandrião nos estudos. Estava mais ligado ao exemplo do pai e menos ao da mãe, a Dona Dália não entendia já que era ela a profissional orgulhosa e bem sucedida da sua família. Tem o feitiozinho do pai, pensava, mas o pai também se deu bem na vida, afinal de contas é trabalhador e nunca está parado, nem agora ele sossega, sempre a inventar coisas lá em casa, e olha que bem que corre, será que depois do deck o consigo convencer a fazer uma piscina? Gostava por isto de receber gente em casa, a Dona Dália, gente da sua terra que também estava emigrada em Lisboa sobretudo - esses é que apreciam! Os colegas da universidade não, desses não tinha ficado com grande ligação, afinal de contas tinham ainda hoje vidas bem diferentes. Eles é que não sabem o que é bom, sempre a gastarem dinheiro em coisas que o meu marido faz tão bem ou melhor e que não nos custa nem um quinto do que eles pagam! Mesmo as casas, pagar 3 vezes mais por uma casa no centro da cidade, com todos aqueles carros e a poluição, não não, aqui na Bobadela é que se está bem, tão perto da cidade mas é quase meio campo, eu é que sei fazer isto bem. Ás vezes, muito raramente mas ás vezes, a Dona Dália olhava para o chefe e pensava que afinal de contas ainda podia aspirar a um bocadinho mais. Sempre de banho tomado e fato impecavelmente passado, o chefe até podia ser uma boa aposta para ela… mas rapidamente afastava esses pensamentos da sua cabeça, especialmente quando estava a tratar-lhe das férias, ia para sítios tão esquisitos, como é que não voltava mais magro, o que seria que comeria lá por essas Ásias e mais de oito horas de voo, deus me livre, e ainda por cima aposto que nem consegue arranjar um cano entupido do lava-loiças, eu estou bem é como estou, férias na Comporta de roulotte é que é um luxo que pouca gente tem. E mais a mais, não via o chefe a falar com o pai, de flores de certeza que não entendia já para não falar de que não o via mesmo sentado na sala de estar lá da aldeia. Não não, assim é que eu estou bem, e continuava decidida a fazer tudo para não perder a vida boa que tinha. A profissional de sucesso da sua família.

1 comentário:

Anónimo disse...

Adorei!!! Tenho de ler mais!