por volta dos seus 70 anos, a pele enrugada, os olhos vazios. Todos os dias descia a mesma rua para ir à mesma loja onde gostava de ficar um bocadinho a espreitar da montra o rebuliço que ia lá dentro. Já tinha vivido muita coisa, já tinha perdido muita coisa mas nos seus dias, todos os dias, lá passava. Não era grande coisa a loja, era de animais e ela gostava de bichos. Via os cachorrinhos, os gatinhos, os passarinhos e os peixinhos no meio de mais inhos e via as criancinhas, quase sempre, entusiasmadas na perspectiva de um novo amigo. Muitos dos bichos que lá estavam iam até ser abandonados ou isso, mas não era importante naquele momento. Ela gostava de conhecer os animais, ver os que iam ficando para trás mais tempo e os outros que mal lá paravam.
Ele vivia numa casa por cima de uma loja de animais. Aquela berraria, guincharia, e o cheiro? Não podia com aquilo, um dia destes mudava de casa e pronto, que nervos que nervos que nervos que aquilo lhe dava. Todos os dias saia para o conservatorio, só tinha vintes e poucos anos mas era um pianista daqueles que prometia. A música que melhor tocava era de Rachmaninoff, piano concerto nr 3 em D menor, opus 30. E essa era a música que ela mais gostava.
Nunca se encontraram.
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