domingo, dezembro 12, 2010

das urbes que urgem

Não sei se já fez um ano desde que moro em alcântara.

- Bom dia dona Teresa, as minhas revistas já chegaram?
- Chegou esta Sofia, as outras ainda não sairam.

Não foi com bons olhos que vi a mudança de Campo de Ourique para Alcântara. Estava acostumada aos velhos no jardim e aos cães que já conhecia pelo nome.

- Bom dia sr. Fernando
- Boa tarde Sofia, então e um guarda-chuva? Olha que isto vai começar a chover bem.

Mas os domingos em alcântara são um bocadinho diferentes dos domingos em campo de ourique. Têm outro cheiro e os ruídos de uma ponte ao fundo, com carros e comboios mais espaçados do que nos dias de semana.

- Bom dia Rui
- Olá Sofia, então o queixo está melhor? Sandes de ovo e café, toma. Vais-te sentar?

Não sei se já fez um ano desde que moro em alcântara. Mas conheço os nomes e as caras. Toda a gente me trata por tu. E pelo nome. Não preciso dizer o que quero no café. E na papelaria encomendam um exemplar de 3 revistas diferentes só para mim.

- Olá Sofia, já tratou do problema do gás?
- Já sim dona Maria, era do esquentador.

Al-qantara, quer dizer ponte. E gosto das pontes entre pessoas, das ilhas que cada um de nós é (sim, com falta de concordância gramatical e tudo) e das conversas para tentar chegar a essas margens estreitas, inalcançáveis na realidade, agarradas nas ilusões.

Já fiz arder as pontes que estabeleci, à procura que pelo menos esse fogo me iluminasse o caminho que destruí. Mas al-qantara não arde, deixa-se envolver num nevoeiro só seu enquanto fica a olhar para um abraço prometido de uma estátua que não dá nem um passo para se aproximar.

Não sei se já fez um ano, desde que moro em Alcântara. E há sempre Londres, Paris e New York com promessas de outros domingos com outros cheiros, cores e ruídos.

Hoje não. Hoje fico aqui.

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